REPERCUSSÕES DO ISOLAMENTO SOCIAL NA PANDEMIA EM PESSOAS IDOSAS ASSISTIDAS PELA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE.

REPERCUSSÕES DO ISOLAMENTO SOCIAL NA PANDEMIA EM PESSOAS IDOSAS ASSISTIDAS PELA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE.

REPERCUSSIONS OF SOCIAL ISOLATION IN THE PANDEMIC ON ELDERLY PEOPLE ASSISTED BY PRIMARY HEALTH CARE.

REPERCUSIONES DEL AISLAMIENTO SOCIAL EN LA PANDEMIA EN LOS ADULTOS MAYORES ASISTIDOS POR LA ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD.

Felícia Cristina de Souza Dias. Graduação em Enfermagem. Universidade Federal de São João del-Rei. ORCID: 0000-0003-2479-539X

Flávia de Oliveira. Doutora em Enfermagem. Universidade Federal de São João del-Rei.ORCID: 0000-0002-9044-6588

Cissa Azevedo. Doutora em enfermagem. Universidade Federal de São João del-Rei. ORCID: 0000-0001-5881-5710

Silmara Nunes Andrade. Doutora em Ciências da Saúde. Universidade Federal de São João del-Rei.ORCID: 0000-0002-1975-0827

Kellen Rosa Coelho. Doutora em Enfermagem. Universidade Federal de São João del-Rei. ORCID: 0000-0002-8629-8367

RESUMO

Objetivo: Conhecer as repercussões do isolamento social no período da pandemia no contexto de vida e de saúde das pessoas idosas. Métodos: Estudo com abordagem qualitativa, com 16 idosos da Atenção Primária à Saúde. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas gravadas e analisados segundo a análise temática de conteúdo, em 2022. Resultados: Emergiram cinco unidades temáticas: Banalização da COVID e do isolamento social; Saúde mental e o isolamento social; Pensamentos/ações positivas para o enfrentamento do isolamento social; O isolamento social como parte da vida dos idosos; Afastamento das atividades cotidianas e das relações interpessoais. Conclusão: O isolamento social repercutiu na saúde mental e no bem-estar biopsicossocial dos idosos, por meio da exacerbação de sentimento de tristeza, solidão, ansiedade, angustia, bem como dificuldades na adaptação do novo cotidiano com interrupção de atividades físicas, de lazer e de interação social entre amigos e familiares.

DESCRITORES: Idoso; Atenção primária à saúde; Isolamento social; Covid-19.

ABSTRACT

Objective: To understand the repercussions of social isolation during the pandemic in the context of life and health of older adults. Methods: A study with a qualitative approach, with 16 older adults from Primary Health Care. Data were collected through semi-structured interviews recorded and analyzed according to thematic content analysis in 2022. Results: Five thematic units emerged: Trivialization of COVID and social isolation; Mental health and social isolation; Positive thoughts/actions
for coping with social isolation; Social isolation as part of the lives of older adults; Removal from daily activities and interpersonal relationships. Conclusion: Social isolation had repercussions on the mental health and biopsychosocial well-being of the elderly, through the exacerbation of feelings of sadness, loneliness, anxiety, anguish, as well as difficulties in adapting the new daily life with interruption of physical activities, leisure and social interaction between friends and family.

Keywords: Elderly; Primary health care; Social isolation; Covid-19.

RESUMEN

Objetivo: Conocer las repercusiones del aislamiento social durante la pandemia en el contexto de vida y salud de los adultos mayores. Método: Estudio con abordaje cualitativo, con 16 adultos mayores de Atención Primaria de Salud. Los datos se recogieron mediante entrevistas semiestructuradas grabadas y analizadas según análisis de contenido temático en 2022.Resultados: Emergieron cinco unidades temáticas: Trivialización del COVID y aislamiento social; Salud mental y aislamiento social;
Pensamientos/acciones positivas para enfrentar el aislamiento social; Aislamiento social como parte de la vida de los adultos mayores; Alejamiento de las actividades cotidianas y de las relaciones interpersonales. Conclusión: El aislamiento social repercutió en la salud mental y en el bienestar biopsicosocial de los ancianos, a través de la exacerbación de sentimientos de tristeza, soledad, ansiedad, angustia, así como dificultades de adaptación a la nueva vida cotidiana con interrupción de las actividades físicas, de ocio y de interacción social entre amigos y familiares.

Palabras claves: Ancianos; Atención Primaria de Salud; Aislamiento social; Covid-19.

RECEBIDO: 19/07/2023
APROVADO: 21/08/2023

INTRODUÇÃO

A pandemia de COVID-19 gerou milhares de mortes em todo o mundo, aproximadamente 7 milhões de vidas perdidas pela doença1. No Brasil, quase 700 mil indivíduos foram mortos pela COVID-19, sendo as regiões sudeste e nordeste as mais afetadas. A maior taxa de letalidade foi registrada em pessoas com idade superior a 60 anos, principalmente naquelas que possuíam comorbidades associadas, como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares2.

Como forma de enfrentamento da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS), recomendou algumas medidas de prevenção da doença, sendo uma delas o isolamento social. Esta medida foi fortemente indicada para todas as faixas etárias, porém destaca-se a população idosa, devido àelevada taxa de mortalidade3

O isolamento social, extremamente necessário e recomendado no período da pandemia, trouxe alguns desafios para a saúde dos indivíduos, sobretudo para a saúde mental. O fato de se isolar socialmente pode levar à vulnerabilidade psicológica, emocional, sociale ambiental, principalmente em pessoas idosas4. O medo do contágio e as incertezas da pandemia, somado ao isolamento social, podem contribuir para o desenvolvimento ou exacerbação de sintomas como ansiedade, depressão e até mesmo aumentar o risco de suicídio5.

Vale destacar que, para além da pandemia, geralmente, a pessoa idosa já enfrenta uma série de desafios que repercutem na sua saúde física e mental, como a perda da autonomia e independência, a solidão, a alteração de papéis sociais e, até mesmo, o próprio isolamento social6. A ocorrência da pandemia pode ter agravado os desafios da vivência desta fase da vida.

Dessa forma, sendo a população idosa o principal grupo de risco para o COVID-19 e, consequentemente, o principal grupo para realizar o isolamento social, sugere-se o questionamento: Como o isolamento social, diante da pandemia, repercutiu e tem repercutido na vida e na saúde das pessoas idosas? Esta investigação se justifica por proporcionar uma visão ampliada sobre o contexto de vida e de saúde da pessoa idosa frente ao isolamento causado pela pandemia e favorecer o levantamento de subsídios para ancorar a discussão de estratégias para mitigar os problemas de saúde, sobretudo de ordem mental, advindos do período da pandemia. Assim, objetivou-se com este estudo conhecer as repercussões do isolamento social no período da pandemia no contexto de vida ede saúde das pessoas idosas.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa. Considerou-se como embasamento teórico a Teoria das Representações Sociais7.As orientações metodológicas foram pautadas na lista de verificação Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) com o objetivo de nortear a condução desta pesquisa8.

O estudo foirealizado nas Estratégias de Saúde da Família (ESF) de um município localizado na Região Centro-Oeste de Minas Gerais, o qual possui 50 equipes de ESF, totalizando 64,39% de cobertura pela Atenção Primária à Saúde (APS)9. Para realização da pesquisa, foram selecionadas as 11ESF que possuem atuação de residentes de enfermagem, vinculados a um programa de residência em Enfermagem. Devido ao critério de inclusão, somente 5 ESFs foram incluídas na pesquisa.

Os critérios de inclusão dos participantes na pesquisa foram: idosos a partir de 65 anos, de ambos os sexos, de qualquer escolaridade, orientados em tempo e espaço, que estavam esperando atendimento nas ESF por quaisquer motivos. Após saturação dos dados, a amostra da pesquisa totalizou-se em 16 participantes.

Antes de iniciar a coleta de dados foi realizado contato prévio com os supervisores das ESF para apresentação da pesquisa e autorização para iniciar a coleta de dados com os idosos que estariam nas unidades. Os idosos que aguardavam atendimento nas unidades de saúde das ESF eram convidados a participar da pesquisa e, caso concordassem, a coleta de dados transcorria com as entrevistas de forma individualizadas e em local reservado nas instalações das ESF, para garantir privacidade, confidencialidade e o sigilo das informações. As entrevistas foram conduzidas por uma residente de enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família. As mesmas tiveram duração média de dez minutos e foram áudio-gravadas com o consentimento dos participantes, após assinatura do Termo de consentimento Livre Esclarecido (TCLE), e posteriormente foram transcritas na íntegra para realização da análise de dados.

A coleta de dados foi realizada no período entre maio a julho de 2022, por meio de entrevistas com a aplicação de um questionário sociodemográfico e de condições de saúde e um roteiro semiestruturado com questões abertas, elaborados pelas pesquisadoras. Os dados comtemplados no questionário foram: idade, escolaridade, estado civil, número de filhos, tipo de residência, renda mensal familiar, religião, pratica de atividade de lazer, comorbidades, medicamentos de uso contínuo, percepção do estado de saúde, e se possui diagnóstico de transtorno mental ou comportamental. O roteiro semiestruturado contemplou as questões norteadoras: Como você se sentiu durante o isolamento social causado pela pandemia da COVID-19? Como o isolamento social causado pela pandemia da covid-19 afetou a sua saúde mental? O que você fez durante o período de isolamento social causado pela pandemia da COVID-19?

As entrevistas foram transcritas para o Microsoft Word e para tabulação dos dados socidemográficos foi utilizado o Microsoft Excel. A análise e interpretação dos dados basearam-se na análise de conteúdo, proposta por Bardin, a qual é conduzida em três etapas: (1) Pré- análise: caracterizada pela transcrição dos dados brutos e leitura “flutuante dos dados”, que permite gerar impressões iniciais do material; (2) Exploração do material: Tem como objetivo redução do texto a expressões e posteriormente agregação dos dados em categoriais; (3) Tratamento dos resultados e interpretação: consiste em analisar os dados baseado em material teórico10.

Para garantir o anonimato e sigilo das informações, as falas foram identificadas pela letra E (entrevistado), seguida por números arábicos crescentes, seguindo a ordem de participação na pesquisa.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da instituição proponente, com Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE)46791321.2.0000.5545. Todos os participantes assinaram o TCLE e os aspectos éticos foram seguidos e respeitados conforme Resolução 510/16.

RESULTADOS

O perfil sociodemográfico dos participantes revelou que entre as 16 pessoas idosas que participaram do estudo a maioria (62,5%) pertence ao sexo feminino, 43,7% são divorciados, 68,8% declararam-se católicos, com média de idade de 69,3 anos, com variação de 65 a 79 anos e baixo nível de escolaridade (43,7% com ensino fundamental completo). Todos os idosos residiam em domicílio próprio, tendo a maioria (37,5%) cinco filhos. Sobre as atividades de lazer predominantes foram citadas a realização de atividade física (25%) ou realizar atividades manuais (18,7%).

Em relação à condição de saúde, embora a maioria (62,5%) dos idosos tenha avaliado a própria saúde como ótima ou boa, ainda assim 62,5% possuíam diabetes ou doenças cardiovasculares e este mesmo percentual fazia uso de pelo menos um medicamento diariamente. Ainda, 43,75% dos idosos informaram que possuem diagnóstico de transtorno mental, sendo a mais citada a depressão.

No concernente à abordagem qualitativa do estudo, a qual explorou conhecer as repercussões do isolamento social no período da pandemia no contexto de vida e de saúde das pessoas idosas adstritas à APS, a análise temática das entrevistas evidenciou cinco categorias, descritas a seguir:

Banalização da COVID e do isolamento social

Essa categoria representa a atitude de alguns participantes frente a pandemia e a recomendação do isolamento social. Notou-se que alguns idosos desacreditaram da doença e das medidas de prevenção recomendadas para interromper e/ou minimizar novas contaminações. Discursaram que a COVID-19 é uma doença como qualquer outra que possui na sociedade. Mesmo a doença tendo causado um número expressivo de mortes, para alguns idosos esse processo foi considerado como normal e natural. Este contexto pode ser exemplificado com as falas a seguir:

Eu não fiquei isolado! O que eu fazia antes eu continuei fazendo. Não deixei de sair, de ir ao supermercado, andar de bicicleta. Eu tomei mais cuidado. Usei a máscara, passei o álcool em gel. (E1)

Para mim foi normal. Morreu muita gente, mas eu acho normal. É ruim para quem morre e para quem fica né, mas eu acho normal. Para mim foi normal, é uma doença normal e que sempre vai ter. (E10)

Eu não tive problema, fiquei em paz. Não tive perturbação. Sossegada, não tive medo. Saia normal. Fazia visita para as pessoas que não tinham medo. Então minha vida foi normal. Eu não tive Covid. E nem vou ter! (E13)

Afastamento das atividades cotidianas e das relações interpessoais

As relações interpessoais e de lazer, foram mencionadas, pois são fatores que os participantes consideram essenciais e que contribuem para a melhora da qualidade de vida. Mas o isolamento gerou afastamento de atividades e relações interpessoais, com repercussões expressivas emocionalmente nos idosos.

Eu me senti muito mal. Porque eu estava acostumada com o convívio dos meus amigos. Eu fazia parte do grupo de mães, então me senti mal. (E2)

Eu não me senti muito bem. Porque a gente fica isolado, não pode dar um abraço, não pode dar um beijo, não comunicar muito perto. Então isso é ruim. (E 6)

Eu não sou de ficar no meio de muitas pessoas. Mas tinha o grupo de atividade de física aqui do posto que parou, então eu achei ruim por não poder participar. (E8)

Saúde mental e o isolamento social

Os participantes relataram sentimento de tristeza, ansiedade, angustia, em virtude do desconhecimento da doença, a quantidade de mortes, e a incerteza ao tratamento e da fabricação das vacinas. A preocupação também foi apontada, pois apesar da realização do isolamento, havia chance de contaminação devido ao contato com pessoas que não conseguiram realizar o isolamento.

Eu me senti triste, pensando nas pessoas que estavam sofrendo perdendo a família. Pensei nos enfermeiros e médicos trabalhando contra essa doença. Pensando nos que estavam perdendo filhos, mães, irmãos. (E4)

Eu fiquei muito angustiada de ficar pensando nas pessoas morrendo. A gente tem a família, então eu fiquei preocupada. Mas eu dei conta de sobreviver. (E8)

Fisicamente não me senti mal, só a cabeça que a gente ficava pensando nos amigos, naqueles que estavam perdendo parentes, sem conhecer a doença, antes de chegar a vacina. Não sabia de onde ia vir o socorro. Não deu pra sentir muito bem não. (E2)

Eu fiquei preocupada, muito preocupada. Porque eu não saia de casa, mas meu filho tinha que sair para trabalhar, então o meu medo era dele chegar em casa com essa doença. (E14).

Observou-se que o isolamento social além de ter provocado solidão e tristeza, também ocasionou ansiedade e depressão em alguns idosos, sendo necessário uso de medicamentos para controle dos sintomas. E mesmo após relativo controle da pandemia, esses idosos convivem com a consequência do isolamento social.

Eu passei a não dormir direito, eu tomo o diazepam também e até hoje eu não consigo dormir direito. Afetou muito o meu emocional. Outra coisa também, eu tenho muita dor de cabeça. (E12)

Ah muito triste! Eu fiquei muito triste porque eu e meu irmão ficamos muito presos, ficávamos presos dia e noite não saíamos para nada. Isso me causou muita ansiedade, acho que isso me levou a tomar o escitalopram.... Eu não tomava esse remédio antes da pandemia. Essa pandemia me abalou demais. Eu chorava, ficava chateada, sentia solidão. (E12)

Pensamentos/ações positivas para o enfrentamento do isolamento social

Os idosos entrevistados abordaram ações importantes, as quais os ajudaram no cotidiano a minimizar as inquietações geradas pelo isolamento social.  Ao serem questionados sobre o que fizeram durante o período de isolamento, sobretudo o mais severo, uma das ações citadas foram as atividades manuais, como artesanatos e hortas. Alguns relataram acreditar que essas atividades são essenciais, pois auxiliam na melhora da concentração, estimulam a criatividade e favorecem a redução do estresse.

Eu fiz meus artesanatos, meus tarrafos, meus barquinhos de brinquedos. Foi isso! (E6)

Fiquei fazendo crochê, mexendo na minha horta. Foi isso que fiquei fazendo. (E5)

Eu fiz o serviço normal de dentro de casa. Eu tenho horta, tenho galinha, ai fiquei distraindo com essas coisas. (E8)

Além das atividades manuais, dispositivos e ferramentas eletrônicos e de tecnologia foram utilizados para amenizar os efeitos do isolamento social e com o intuito de aproximar e fortalecer as relações interpessoais e espirituais.

Eu não ia para igreja, então assistia era pelo celular. (E13)

Eu rezei muito, pedi muito a Deus. Ligava para os amigos, mandava whatsapp, pois hoje em dia a tecnologia permite isso né. E o meu artesanato, bordei, costurei, pintei. (E2)

 Percebe-se que alguns tiveram a oportunidade de encontrar refúgio na zona rural, proporcionando contato com a natureza e lazer. Com isso, diminuindo o tempo ocioso e as inquietações geradas pelo isolamento social.

Eu ia para roça, trabalhava, pescava. Viajei para ir pescar também. (E10)

As tarefas de casa mesmo... Como ficamos um tempo no sítio, tinha plantas para cuidar, muitas coisas para fazer. (E7)

O isolamento social como parte da vida dos idosos

Alguns entrevistados apontaram que o isolamento social não afetou a rotina de vida, tampouco a saúde mental, pois já possuíam o hábito de ficar isolado socialmente, independente da pandemia. Sendo assim, tendo o mínimo de contato social.

Eu já estava isolada mesmo, há muito tempo. Eu não sou de ficar saindo. Aí veio a pandemia e eu fiquei em casa da mesma forma. Não fez muita diferença. (E 11)

Não fez diferença. Porque eu não sou de sair de casa. Quando eu saio é para ir na igreja. Durante a pandemia não estava conseguindo ir porque quase não tinha ônibus. Então foi normal, eu sou acostumada a ficar em casa. (E15)

 DISCUSSÃO

Investigar as repercussões do isolamento social, causado pela pandemia de COVID-19, sobre a vida e a saúde de pessoas idosas adstritas aos territórios da APS, na perspectiva dos próprios idosos, faz-se oportuno para contribuir no fortalecimento da literatura científica, bem como para trazer subsídios para o manejo desta população pelas equipes de ESF. Os achados desta investigação se mostraram bastante diversos e controversos no que diz respeito às representações sociais sobre o isolamento na pandemia, bem como as condutas perante esta recomendação.

O distanciamento social foi uma das principais medidas necessárias para conter o aumento de casos da COVID-19. Entretanto, provocou e ainda provoca mudanças no cotidiano das pessoas, sobretudo dos idosos. A diminuição ou falta de interação social ocasiona uma rotina solitária e exacerbação de diversos sentimentos11.

Embora os participantes estejam cientes sobre o contexto da pandemia, alguns relataram desacreditar na doença e na recomendação do isolamento. Mesmo vivenciando mortes de conhecidos, complexidade da doença e incertezas de tratamento e prevenção, decidiram manter a rotina. Algumas motivações que podem estar relacionadas a essa prática, são a baixa escolaridade e o número elevado de informações falsas que são veiculadas nas redes sociais de fácil acesso pelos celulares12.

Neste contexto, ressalta-se o papel importante dos profissionais de saúde, sobretudo os da enfermagem, na educação em saúde da população idosa. Além de proporcionar informações de qualidade, a educação em saúde na APS promove vínculo, mudança de comportamento e, consequentemente, melhora do autocuidado e da adesão às recomendações sobre o controle da pandemia13.

Os sentimentos de angústia, tristeza e estresse foram apontados pelos participantes do estudo, diante o confinamento, e esses sentimentos resultam no deterioramento de condições psicológicas, problemas de memória, aumento do desânimo e problemas no sono.  Também contribuem para o surgimento de disfunções no estômago e intestino4.

A depressão também foi relatada como consequência do isolamento. Essa condição psicológica pode ser desencadeada devido ao declínio dos níveis de bem-estar, atividade, qualidade de sono e funcionamento cognitivo dos idosos12. O aumento das preocupações devido à pandemia causa sentimentos ansiosos que, por sua vez, promovem a depressão. De fato, o aumento dos sintomas depressivos está ligado pela exacerbação dos sentimentos de ansiedade e de solidão14.

De acordo com estudo no Reino Unido, idosos são mais vulneráveis ao desenvolvimento de ansiedade e depressão como resultado do isolamento social relacionado à COVID-19, em consequência de sua capacidade funcional reduzida, fragilidade, comorbidades e dificuldade na comunicação através de recursos tecnológicos15.

Percebe-se que o isolamento social dos idosos não está relacionado somente a pandemia. Essa é uma realidade de diversos idosos, o que pode ser notado durante as falas de alguns entrevistados. Esse isolamento é uma escassez de relações humanas e contatos regulares com pessoas, podendo ser familiares, amigos ou membros da comunidade. Nesses casos, o indivíduo no cotidiano interage com um número menor de pessoas. Portanto, conta com número menor de apoio social e emocional16.

Em um estudo realizado no Chile, 25,25% dos 720 idosos acompanhados já eram solitários antes da pandemia e permaneceram desse modo e 22,43% passaram a sentir solidão. Esta é uma consequência do abandono e do isolamento, principalmente por parte de familiares, provocando consequências negativas14.

O isolamento pode gerar consequências na vida da pessoa idosa, como o maior risco por problemas de saúde, redução do bem-estar e aumento da mortalidade. Também contribui para o comprometimento da saúde mental, ampliação dos riscos para depressão e ansiedade, e maior chance de desenvolver doenças cardiovasculares17.

Alguns fatores estão associados ao risco de isolamento das pessoas idosas, como fatores relacionados à saúde física ou mental, como doenças de longa duração, dependência física. Fatores sociodemográficos, por exemplo, ser solteiro ou viúvo, ser mulher, baixa escolaridade, institucionalização, entre outros. E fatores contextuais e estruturais, como desigualdades socioeconômicas18.

Um aspecto importante a ser destacado é sobre as estratégias que os idosos utilizaram durante o isolamento social. Tendo em destaque as atividades manuais e o uso da tecnologia como atividades de lazer. A participação de idosos nas práticas de lazer pode ser uma estratégia eficaz para a redução de solidão, de condições físicas e de saúde mental, proporcionando melhora da qualidade de vida durante o isolamento16, 19.

O lazer é considerado um entretenimento pessoal, que depende da própria escolha e interesse individuais. Sendo assim, o lazer pode ser classificado como atividades: físico-esportivas, artísticas, manuais, intelectuais e sociais. As práticas manuais incluem o tricô, o crochê, o bordado, a jardinagem, a culinária, entre outros. Essas práticas proporcionam inúmeros benefícios para a saúde, principalmente para os idosos. Elas ajudam exercitar o cérebro e preservar a memória, tendo menos chances de apresentar demência. Também estimula a criatividade, expõe as ideias e melhora as habilidades20.

O lazer virtual é uma estratégia contemporânea que possibilita o entretenimento e inclusão no interior das residências. É importante ressaltar que, embora o uso de tecnologias tenha aumentando entre idosos durante a pandemia, ainda muitos não possuem esse acesso devido ao custo elevado dos aparelhos, a baixa escolaridade e a pouca familiarização ao seu uso, limitando o alcance desses benefícios durante o isolamento11.

Portanto, as mudanças ocasionadas pela COVID-19 causaram impactos no autocuidado, refletindo na saúde, pois podem afetar a mobilidade, qualidade de vida e bem-estar físico e emocional e, inclusive, na demanda dos serviços de saúde. Contudo, a OMS recomendou a manutenção dessas atividades em domicílio, de modo a evitar a exposição dos idosos e contribuir para o autocuidado de forma adaptada11, 16.

Conhecer todas estas repercussões do isolamento social para as pessoas idosas, bem como todo o contexto desafiador no cotidiano desta população, é de extrema relevância para a ESF, mesmo que seja com uma população de estudo pequena como foi na presente pesquisa. Ademais, outra limitação do estudo a ser considerada é que as pessoas idosas entrevistadas foram somente aquelas que estavam nas unidades de saúde, portanto com alguma demanda de saúde no momento da coleta de dados, o que pode ter interferido nas respostas. Para estudos futuros, sugere-se ampliar para os idosos que não estejam com demanda de assistência em saúde no momento da coleta dos dados.

O presente estudo contribui para o conhecimento em saúde à medida que fornece subsídios para uma melhor compreensão das repercussões do isolamento social sobre a vida e saúde dos idosos, colaborando para discussões e reflexões de melhores estratégias para assistir às demandas sociais e de saúde desta população em um momento ainda crítico da história sanitária mundial. Em específico ao contexto da enfermagem gerontológica, este estudo denota a relevância de proporcionar melhores estratégias de cuidado à saúde e interação social para as pessoas idosas e, assim, mitigar as consequências advindas do isolamento social neste grupo etário.

CONCLUSÃO

Na perspectiva das pessoas idosas entrevistadas no estudo, esta investigação permitiu conhecer as repercussões causadas pelo isolamento social, devido à pandemia de COVID-19, na vida e na saúde destes indivíduos. O isolamento social repercutiu no bem-estar biopsicossocial dos idosos, por meio da exacerbação de sentimento de tristeza, solidão, ansiedade, angustia, bem como dificuldades na adaptação do novo cotidiano imposto pelo isolamento social com interrupção de atividades físicas, de lazer e de interação social entre amigos e familiares.

O estudo mostrou, também, que o período de isolamento social afetou negativamente a saúde mental dos idosos e trouxe à tona o desafio que os idosos enfrentam de viverem de forma solitária, independente da ocorrência da pandemia.

Portanto, é necessário um olhar ampliado da APS, sendo imprescindível o planejamento para além da conjuntura atual, com vislumbre ao período pós-pandêmico, pelas diversas consequências à saúde e ao bem-estar desta população.

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