PACIENTES DE UM CENTRO DE PARTO NORMAL ATENDIDAS NO HOSPITAL: DEMANDA ESPONTÂNEA OU REFERIDA?
PATIENTS FROM A NORMAL BIRTH CENTER TREATED AT THE HOSPITAL: SPONTANEOUS OR REFERREND DEMAND?
PACIENTES DE UN CENTRO DE NACIMIENTO ATENIDOS EN EL HOSPITAL: ¿DEMANDA ESPONTÁNEA O REFERIDA?
Handeson Brito Araújo
Enfermeiro e Residente em Enfermagem Obstétrica pela Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS). Brasília (DF)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8798-4289
Hygor Alessandro Firme Elias
Enfermeiro Obstetra, Mestre em Enfermagem, Tutor do Programa de Residência de Enfermagem Obstétrica da Fundação de Ensino em Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS). Brasília (DF)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4285-902X
Kelly da Silva Cavalcante Ribeiro
Enfermeira Obstetra, Mestre em Ciências da Saúde, Coordenadora da Residência de Enfermagem Obstétrica da Fundação de Ensino em Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS). Brasília (DF).
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9882-9455
RESUMO
OBJETIVO: compreender as causas da demanda espontânea e referida de parturientes vinculadas à Casa de Parto para o Hospital de Referência, no Distrito Federal. MÉTODO: estudo epidemiológico, descritivo, transversal, prospectivo de abordagem quanti-qualitativa. Participantes: puérperas atendidas no hospital, referenciadas ou por demanda espontânea, entre agosto e dezembro de 2024. Instrumento de coleta: entrevista semiestruturada com dados do perfil socioeconômico e obstétrico, causas da internação, além da análise do prontuário. RESULTADO: participaram 95 puérperas, sendo 31 encaminhadas pelo pré-natal, 47 pela Casa de Parto e 17 foram por demanda espontânea. CONCLUSÃO: a maioria das mulheres são referenciadas à unidade hospitalar pelo pré-natal ou pela própria casa de parto, devido à risco gestacional não habitual ou àquelas fora do protocolo institucional. Medo de intercorrências, desconhecimento dos sinais de trabalho de parto ativo e falhas no fluxo de atendimento estão entre as causas da demanda espontânea.
DESCRITORES: Centros de assistência à gravidez e ao parto; Enfermagem obstétrica; Parto normal; Tomada de decisões; Transferência de pacientes.
SUMMARY
OBJECTIVE: To understand the causes of spontaneous and referred demand for laboring women linked to the Maternity House to the Referral Hospital in the Federal District. METHOD: Descriptive, cross-sectional, prospective epidemiological study with a quantitative-qualitative approach.Participants: Postpartum women treated at the hospital, either referred or by spontaneous demand, between August and December 2024. Data Collection Instrument: Semi-structured interview with socio-economic and obstetric profile data, causes of hospitalization, and analysis of the medical records. RESULT: 95 postpartum women participated, with 31 referred by prenatal care, 47 by the Maternity House, and 17 by spontaneous demand. CONCLUSION: Most women are referred to the hospital unit by prenatal care or the Maternity House due to unusual gestational risks or those outside the institutional protocol. Fear of complications, lack of knowledge of active labor signs, and failures in the service flow are among the causes of spontaneous demand.
KEYWORDS: Maternity and childbirth care centers; Obstetric nursing; Normal delivery; Decision-making; Patient transfer.
RESUMEN
OBJETIVO: Comprender las causas de la demanda espontánea y referida de mujeres en trabajo de parto vinculadas a la Casa de Parto hacia el Hospital de Referencia en el Distrito Federal. MÉTODO: Estudio epidemiológico, descriptivo, transversal y prospectivo con enfoque cuantitativo-cualitativo. Participantes: Mujeres en el posparto atendidas en el hospital, referidas o por demanda espontánea, entre agosto y diciembre de 2024. Instrumento de recolección de datos: Entrevista semi-estructurada con datos del perfil socioeconómico y obstétrico, causas de la hospitalización y análisis de la historia clínica. RESULTADO: Participaron 95 mujeres en el posparto, de las cuales 31 fueron referidas por el control prenatal, 47 por la Casa de Parto y 17 por demanda espontánea. CONCLUSIÓN: La mayoría de las mujeres son referidas a la unidad hospitalaria por el control prenatal o por la propia Casa de Parto debido a riesgos gestacionales no habituales o aquellas fuera del protocolo institucional. El miedo a las complicaciones, el desconocimiento de los signos del trabajo de parto activo y fallos en el flujo de atención son algunas de las causas de la demanda espontánea.
PALABRAS CLAVE: Centros de atención al embarazo y parto; Enfermería obstétrica; Parto normal; Toma de decisiones; Transferencia de pacientes.
Recebido: 15/01/2025 Aprovado: 27/01/2025
Tipo de artigo: Artigo Original
INTRODUÇÃO
Até o início do XX, o trabalho de parto e o parto foram fenômenos naturais rodeados de muita tensão e medo pelas parturientes e suas famílias, pois parir àquela época, oferecia grandes riscos para o binômio. Ainda na primeira metade do século XX, o parto passou por uma grande revolução quando a cesariana avançou de modo significativo e, ao final daquele século, os médicos já tinham predominância sobre o parto quando comparado às tradicionais parteiras(1).
As tecnologias médicas como as transfusões sanguíneas, anestesias e cesarianas contribuíram significativamente para a redução das taxas de morbimortalidade materno-infantil. Entretanto, essa medicalização transformou o parto, um evento fisiológico em um evento iatrogênico, quando essas tecnologias são utilizadas erroneamente, afetando a saúde do binômio e a autonomia feminina em relação ao seu corpo(2-3).
Entre as iniciativas brasileiras para mudar esse cenário está a implantação dos Centros de Partos Normais (CPNs) ou Casas de Partos (CPs), por meio da Rede Cegonha (Portaria Nº 1.459/2011), que são unidades especializadas em parto normal de mulheres com gestação de risco habitual, oferecendo a elas uma assistência contínua durante a gravidez, o parto e o pós-parto, tendo o enfermeiro obstetra (EO) como o responsável técnico pelo cuidado e contando com um Hospital de Referência para eventuais complicações maternas e/ou neonatais(3).
Ainda dentro deste contexto, é importante ressaltar que o pré-natal é parte fundamental para os desfechos favoráveis no parto e no pós-parto, pois com ele é possível identificar e agir sobre os fatores de risco que possam impactar as fases do processo gravídico-puerperal(5).
O EO é o profissional de saúde que tem na sua formação o desenvolvimento de habilidades e competências que permitem uma assistência integral e respeitosa ao parto como um fenômeno fisiológico, com menos intervenções e aplicação de práticas baseadas em evidências, repercutindo positivamente na saúde do binômio, além de promover a autonomia e o protagonismo da mulher na parturição(6).
Estudos demonstram que gestantes de risco habitual ao darem à luz em unidades como as CPs, possuem desfechos maternos e neonatais mais favoráveis se comparadas às unidades hospitalares, uma vez que as CPs estão associadas a menores taxas de intervenções durante o parto, complicações maternas-infantis e admissões em unidades neonatais, além de promover a amamentação precoce e sua manutenção por períodos mais longos, fortalecendo o vínculo mãe-filho(7).
A necessidade de transferência materna e/ou neonatal de uma CP para uma unidade hospitalar, assegura a continuidade da assistência em um nível de complexidade maior, o que não reflete em aumento da morbimortalidade do binômio. Assim sendo, os CPNs são considerados uma alternativa segura para o parto de gestantes de baixo risco(4).
A Casa de Parto do Distrito Federal (DF) está situada na região administrativa (RA) de São Sebastião e atende toda a Região Leste de Saúde, composta pelas RAs de São Sebastião, Jardim Botânico, Itapoã e Paranoá, além da Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE) que abrange municípios de Minas Gerais e Goiás localizados no entorno do DF, conforme a Portaria Nº 1.321, de 14 de dezembro de 2018. A Casa de Parto de São Sebastião (CPSS) tem como o Hospital de Referência, o Hospital da Região Leste (HRL), na RA do Paranoá, a 15 minutos de distância(9-10).
A CPSS é um campo de atuação exclusivo do EO que presta assistência ao pré-parto, parto e puerpério de gestantes de risco habitual, todavia, a CPSS assiste cerca de 30 a 40 partos por mês, número considerado pequeno se levado em consideração a sua localização e área de abrangência, uma vez que muitas parturientes que poderiam ter o parto assistido na CPSS, acabam procurando primeiro o Hospital de Referência, resultando na internação e, consequentemente, no nascimento fora da CPSS(9).
Diante do exposto, surgiu o seguinte questionamento: “As pacientes vinculadas à Casa de Parto, quando buscam atendimento no Hospital de Referência, são efetivamente referenciadas ou fazem isso por demanda espontânea?”. Essa pesquisa objetivou compreender as causas da demanda espontânea e referida de parturientes vinculadas à Casa de Parto de São Sebastião para o Hospital de Referência, HRL, no Distrito Federal; permitindo estudar, a partir das causas, que ações podem ser tomadas para que o fluxo Atenção Básica-Casa de Parto-Hospital de Referência seja melhor empregado, podendo ampliar o escopo de atuação do EO tanto no DF quanto em outros lugares, como também pode contribuir na redução da demanda do Hospital de Referência, que se destina aos partos com maiores riscos.
MÉTODO
Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo, transversal, prospectivo de abordagem quanti-qualitativa, estruturado conforme recomendações do checklist STROBE.
As participantes da pesquisa foram puérperas que procuraram espontaneamente o Hospital de Referência, ou que foram referidas pela Casa de Parto ou pelo Pré-Natal, no período de agosto a dezembro de 2024. A composição da amostra dessa pesquisa não foi aleatória e se deu por limitação temporal, isto é, todas as participantes que se enquadraram nos critérios de inclusão, dentro do período de coleta de dados, fizeram parte da amostra. No total, participaram 95 puérperas.
O local de pesquisa foi o HRL, localizado na RA do Paranoá, por ser o Hospital de Referência para a CPSS. As participantes foram abordadas no Alojamento Conjunto do referido hospital, a partir de 24h de pós-parto. Foram incluídas as puérperas procedentes das RAs de São Sebastião e Jardim Botânico, que procuraram espontaneamente o Hospital de Referência ou que foram referidas pelo Pré-Natal ou pela CPSS e que tinham 18 ou mais anos. Foram excluídas as puérperas das RAs do Paranoá e Itapoã e menores de 18 anos.
O presente estudo se desenvolveu obedecendo as seguintes etapas após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP): coleta de dados através do preenchimento de um roteiro de entrevista semiestruturado (instrumento de coleta) e análise de prontuário, tabulação e análise dos dados, discussão e conclusão dos resultados.
O instrumento de coleta foi dividido em cinco partes: dados socioeconômicos; dados obstétricos à admissão e parto no hospital de referência; participante referenciada pelo pré-natal; participante referenciada pela casa de parto; participante não referenciada (demanda espontânea). Todas as participantes deveriam responder às duas primeiras partes da entrevista e a uma das outras três partes de acordo com o seu caso, se houve referenciamento ou se foi demanda espontânea.
A análise dos dados coletados ocorreu a partir do programa Microsoft Excel 2013 Office, com a construção de gráficos e tabelas. Foi realizada uma análise inicial para identificação de erros de digitação, de classificação, fazendo correções quando necessário.
Às participantes da pesquisa foram esclarecidas previamente acerca do: tema, os objetivos e outras informações pertinentes ao estudo; também foi fornecido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) onde trouxe todas as informações detalhadas do projeto, como também estava descrita a liberdade de escolha da participante em desistir de contribuir com a pesquisa a qualquer momento, independente do motivo; estando garantida, também, o anonimato; além de descritos os benefícios, os possíveis riscos e os meios que os pesquisadores poderiam utilizar para saná-los ou minimizá-los.
O presente estudo foi apresentado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o parecer de nº 6.949.630 e o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) de nº 79952124.6.0000.5553.
RESULTADO
Ao todo 95 puérperas participaram do estudo. Acerca do perfil socioeconômico, um pouco mais da metade (n=50) das participantes tinham entre 18 a 27 anos de idade. A maior parte (n=57) dessas mulheres eram casadas ou possuíam união estável. Quanto à escolaridade, 65,26% tinham ao menos o ensino médio completo. Sobre a renda familiar, 54,73% tinham renda superior a dois salários mínimos. Em relação à procedência, quase a totalidade (n=90) eram de São Sebastião. A tabela 1 detalha esses dados.
Tabela 1. Perfil socioeconômico das participantes. Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2024.
Faixa etária | n | % |
18-27 28-37 ≥38 | 50 35 10 | 52,63 36,84 10,53 |
Total | 95 | 100 |
Estado civil | n | % |
Solteira Casada/União Estável Divorciada/Separada/Viúva | 35 57 3 | 36,84 60,0 3,16 |
Total | 95 | 100 |
Escolaridade | n | % |
Alfabetizada Fundamental Completo Médio Completo Graduação Completa ou mais | 12 21 55 7 | 12,63 22,11 57,89 7,37 |
Total | 95 | 100 |
Renda familiar | n | % |
Até 2 Salários Mínimos Mais que 2 Salários Mínimos | 43 52 | 45,26 54,74 |
Total | 95 | 100 |
Procedência | n | % |
São Sebastião Jardim Botânico | 90 5 | 94,74 5,26 |
Total | 95 | 100 |
Fonte: Dados da Pesquisa.
Em relação ao perfil obstétrico, 81,06% (n=77) eram gestações a termo, da 37ª a 40ª semana. Um pouco mais de dois terços (n=66) das mulheres estavam na segunda gestação ou mais. Sobre as vias de parto, mais da metade das mulheres (n=55) nunca haviam vivenciado o parto normal e 75,79% não haviam sido submetidas a uma cesariana. A maior parte das participantes (n=74) nunca havia sofrido um aborto.
Sobre o pré-natal, todas as mulheres fizeram ao menos 01 (uma) consulta de pré-natal; 87,36% das puérperas tiveram 06 (seis) ou mais consultas. A maior parte das participantes (n=67) foram classificadas como de alto risco gestacional no momento da internação no Hospital de Referência. Quanto ao referenciamento, quase um terço (n=31) foi encaminhada diretamente do pré-natal (risco alto ou mesmo baixo risco), o centro de parto normal encaminhou a metade (n= 47) das parturientes e a minoria (n=17) procurou espontaneamente o hospital de referência. A tabela 2 mostra as características obstétricas das pacientes do estudo.
Tabela 2. Perfil obstétrico à admissão no Hospital de Referência. Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2024.
Idade gestacional na internação em semanas completas | n | % |
Pré-termo (< 37ª semana) A termo (37ª a 40ª semana) Pós-termo (≥ 41ª semana) | 9 77 9 | 9,47 81,06 9,47 |
Total | 95 | 100 |
Número de gestações (paridade) | n | % |
1 2 3 ou mais | 29 29 37 | 30,53 30,53 38,94 |
Total | 95 | 100 |
Número de partos normais | n | % |
0 1 2 ou mais | 55 17 23 | 57,89 17,89 24,22 |
Total | 95 | 100 |
Números de partos cesáreos | n | % |
0 1 2 | 72 17 6 | 75,79 17,89 6,32 |
Total | 95 | 100 |
Número de abortos | n | % |
0 1 2 ou mais | 74 17 4 | 77,90 17,89 4,21 |
Total | 95 | 100 |
Fizeram pré-natal | n | % |
Sim Não | 95 0 | 100 0,0 |
Total | 95 | 100 |
Número de consultas | n | % |
1-5 6-11 ≥ 11 | 12 51 32 | 12,63 53,68 33,69 |
Total | 95 | 100 |
Classificação de risco na admissão no Hospital de Referência | n | % |
Baixo Risco Alto Risco | 28 67 | 29,47 70,53 |
Total | 95 | 100 |
Referenciamento ou demanda espontânea | n | % |
Referenciamento pelo Pré-Natal de Alto Risco Referenciamento pelo Pré-Natal de Baixo Risco Referenciamento pelo Centro de Parto Normal Demanda Espontânea | 24 7 47 17 | 25,26 7,37 49,47 17,90 |
Total | 95 | 100 |
Fonte: Dados da Pesquisa.
Ao todo, 7 mulheres foram referenciadas pelo pré-natal de baixo risco, sendo que 6 delas por pós-datismo. Entre as causas do referenciamento pelo pré-natal de alto risco, chama a atenção a alta prevalência de distúrbios metabólicos do tipo diabetes gestacional (n=11), seguido das síndromes hipertensivas gestacionais (n=9), conforme a tabela 3.
Tabela 3. Motivos do referenciamento pelo Pré-Natal de Baixo e de Alto Risco. Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2024.
Motivo do referenciamento pelo pré-natal de baixo risco | n | % |
Iteratividade Pós-datismo | 1 6 | 14,29 85,71 |
Total | 7 | 100 |
Motivo do referenciamento pelo pré-natal de alto risco | n | % |
Distúrbios Metabólicos (diabetes gestacional) Gemelaridade Hipotireoidismo Síndromes hipertensivas gestacionais Toxoplasmose | 11 1 2 9 1 | 45,83 4,17 8,33 37,50 4,17 |
Total | 24 | 100 |
Fonte: Dados da Pesquisa.
À respeito do referenciamento feito pelo CPN ao Hospital de Referência, das 47 mulheres encaminhadas, daquelas que já estavam internadas quando se indicou a transferência (n=5), o tempo de bolsa rota prolongado (n=3) e a parada de progressão (n=2) foram as principais causas.
A grande maioria das pacientes transferidas (n=42) foi referida diretamente do atendimento em consultório ao hospital; tendo como principais razões a prematuridade (n=6), as síndromes hipertensivas (n=5) e o pós-datismo (n=4). Dentre outras causas que merecem destaque e que fogem ao protocolo assistencial, indicando remoção para o hospital de referência, estão: apresentação pélvica (n=3), cesárea prévia (n=3), infecções maternas não tratadas (n=3), líquido meconial espesso em início de trabalho de parto (n=3) e pré-natal insuficiente (n=3). Causas como desejo materno de parir no hospital, diminuição da movimentação fetal, distúrbios metabólicos (diabetes e hipotireoidismo), obesidade, restrição de plantão por insuficiência de recursos humanos, alterações na frequência cardíaca fetal, taquissistolia uterina e uso de drogas ilícitas também foram achados com menor frequência.
Durante a entrevista, quando questionadas se compreendiam o porquê do referenciamento, 85,11% compreenderam a necessidade de parir em um centro de maior complexidade e 14,89% referiram que “não”, dentre estas todas relataram que “não houve explicação” por parte do profissional que indicou a transferência. Mais da metade dos casos (n=30), o referenciamento se deu por meio da ambulância do CPN. Observam-se estes resultados na tabela 4.
Tabela 4. Motivos do referenciamento pelo Centro de Parto Normal. Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2024.
A participante estava internada no Centro de Parto Normal? | n | % |
Sim Não | 5 42 | 10,64 89,36 |
Total | 47 | 100 |
Motivo do referenciamento das participantes que estavam internadas no Centro de Parto Normal | n | % |
Parada de Progressão ou Progressão Lenta Tempo de Bolsa Rota Prolongado | 2 3 | 40,0 60,0 |
Total | 5 | 100 |
Motivo do referenciamento das participantes que não estavam internadas no Centro de Parto Normal | n | % |
Apresentação Pélvica Cesárea Prévia Desejo Materno Diminuição da Movimentação Fetal Distúrbios Metabólicos (DM/DMG) Hipotireoidismo Infecções não tratadas (Infecção do Trato Urinário e Sífilis) Líquido Amniótico Meconial espesso em início de TP Obesidade Plantão Restrito Pré-Natal Insuficiente Pós-datismo Prematuridade SHEG e HAS Taquicardia Fetal Taquissistolia Uterina Usuária de Drogas Ilícitas | 3 3 2 1 1 2 3 3 2 1 3 4 6 5 1 1 1 | 7,14 7,14 4,77 2,38 2,38 4,77 7,14 7,14 4,77 2,38 7,14 9,52 14,29 11,90 2,38 2,38 2,38 |
Total | 42 | 100 |
Compreende o motivo do referenciamento? | n | % |
Sim Não | 40 7 | 85,11 14,89 |
Total | 47 | 100 |
Se não, por quê? | n | % |
Não houve explicação | 7 | 100 |
Total | 7 | 100 |
A remoção se deu por | n | % |
Por meios próprios da participante Pela ambulância do Centro de Parto Normal | 17 30 | 36,17 63,83 |
Total | 47 | 100 |
Fonte: Dados da Pesquisa.
Destaca-se, a seguir, na tabela 5, as razões da demanda espontânea das pacientes para o hospital de referência. Nesse estudo, 17 mulheres procuraram o Hospital de Referência sem referenciamento algum. Entre as causas, 5 mulheres referiram que “Buscou atendimento no Centro de Parto Normal, mas não foi internada”, 3 referiram o “Medo de intercorrências maternas e/ou neonatais” e 2 relataram que o “Profissional do pré-natal disse para não ir ao Centro de Parto Normal, sem encaminhamento oficial”. Outras causas menos citadas foram: achar que não poderia ser atendida no CPN, achar mais fácil ir diretamente ao Hospital de Referência, não conseguir ou não gostar do atendimento no CPN, orientação por outra unidade de saúde a procurar o hospital, o fato do bebê ainda estar prematuro e o próprio desejo de não ter parto normal.
Tabela 5. Motivos da demanda espontânea ao Hospital de Referência. Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2024.
Motivo da demanda espontânea | n | % |
Profissional do pré-natal disse para não ir ao CPN, sem encaminhamento oficial ao HR Medo de intercorrências maternas e/ou neonatais no CPN Buscou atendimento no CPN, mas não foi internada Achava que não era atendida no CPN Achou mais fácil ir ao HR Não conseguiu atendimento no CPN Não gostou do atendimento no CPN Foi orientada por outra unidade de saúde que não fosse o serviço de Pré-Natal ou o CPN Prematuridade Desejava parto cesáreo | 2 3 5 1 1 1 1 1 1 1 | 11,78 17,65 29,41 5,88 5,88 5,88 5,88 5,88 5,88 5,88 |
Total | 17 | 100 |
Fonte: Dados da Pesquisa.
DISCUSSÃO
Caracterizando o perfil socioeconômico das parturientes que foram à unidade hospitalar, esse estudo definiu que a maioria era maior de idade, vivia com o parceiro, havia completado ao menos o ensino médio e recebia dois ou mais salários mínimos. Indo de encontro a esses achados em hospitais de referência, Christensen et. al. (2017) em sua pesquisa definiu que a maioria das mulheres viviam com o companheiro, possuíam o ensino médio ou formação superior; já Grigg et. al. (2015) categorizou em sua pesquisa que a maioria das participantes era maior de idade, tinham um relacionamento estável, e estudaram até o ensino médio ou mais e todas recebiam mais que dois salários mínimos no seu país(8-11).
O estudo evidenciou que partes das participantes foram encaminhadas ao Hospital de Referência pela CPSS justamente por apresentarem um número insuficiente de consultas; e ainda, um terço das pacientes procuraram espontaneamente o Hospital de Referência, após buscarem atendimento no CPN e não serem internadas. Pesquisas demonstram que o pré-natal é um instrumento importante para a garantia do risco habitual, e conhecimento das fases do parto, é fundamental para o exercício da livre escolha da mulher sobre onde e como quer parir; envolvê-la na tomada de decisão é permitir que sua autonomia seja respeitada(7, 12-14).
Também foi constatado nesta pesquisa, o desconhecimento do fluxo por parte dos profissionais, e das pacientes a respeito da atuação da CPSS, quando as participantes responderam que procuraram primeiro o Hospital de Referência por achar que não era atendida no CPN, achou mais fácil ir ao Hospital de Referência e ainda, o profissional do pré-natal disse para não ir ao CPN, sem encaminhamento oficial.
É atribuição do profissional do pré-natal inteirar-se dos fluxos do sistema de saúde ao qual pertence para que faça as orientações adequadas à paciente, permitindo que haja discussão das opções disponíveis e ela tome uma decisão, reforçando sua autonomia(7, 12-13).
O principal componente na tomada de decisão das mulheres em relação ao local de nascimento é a segurança do binômio. Neste estudo, observamos que um número significativo das mulheres que deixaram de ir inicialmente à CPSS relataram medo de intercorrências maternas e/ou neonatais no CPN. Os relatos demonstram que as CPs enfrentam resistências e desconfianças por parte de alguns segmentos da população, acerca da qualidade e segurança dos cuidados prestados(15).
O presente trabalho evidenciou que um pequena minoria, das parturientes que foram encaminhadas ao Hospital de Referência após serem avaliadas na CPSS foram apenas pelo desejo materno em ter o parto no hospital; também foram identificados que uma pequena parte das mulheres que foram de forma espontânea ao Hospital de Referência desejavam um parto cesáreo e o mesmo número relatou que não gostou do atendimento no CPN. No que tange às transferências e remoções, um estudo americano realizado em 2021 revelou que 23% dos encaminhamentos anteparto e 2,3% das transferências intraparto ocorreram por razões não clínicas como desejo materno em ter o parto em uma unidade hospitalar, desejo por uma cesariana e o descontentamento com o atendimento no CPN. Compreender os fatores que influenciam a decisão de uma gestante sobre o seu local de parto, permite explorar se essas razões estão ou não alinhadas a algum risco clínico, e trabalhar sobre elas(15).
Esse estudo evidenciou que a CPSS encaminhou menos de 10% das parturientes por gravidez prolongada, ao Hospital de Referência. Na Nova Zelândia, um estudo de 2015 revelou que o motivo mais comum para a mudança de local de parto de mulheres que desejavam parir em um CPN foi a gravidez prolongada que exigia indução (21,9%)(16).
Os principais motivos de transferência da CPSS para o Hospital de Referência foram: a parada de progressão ou progressão lenta e o tempo de bolsa rota prolongado. Importa ressaltar que, foi constatado que quando há maior risco ao binômio, a CPSS faz o transporte da paciente ao Hospital de Referência, este dado expõe o comprometimento do profissional EO e da CPSS com a segurança do binômio. Corroborando para os dados apresentados no estudo, verificamos em outras pesquisas que, em 2012, o motivo mais comum para transferências na Inglaterra, de acordo com o grande estudo de coorte prospectivo Birthplace, de CPN para Hospital de Referência, foi a parada de progressão com 35%. Já na Nova Zelândia, em 2015, as razões mais comuns paras as transferências foram: rotura prolongada da bolsa amniótica (23,7%, n=8), líquido amniótico meconial (14,6%, n=11), trabalho de parto prolongado (7,9%, n=6), trabalho de parto prematuro (6,6%, n=5) e alterações cardiofetais (3,9%, n=3)(16).
Em 2017, na Dinamarca, a razão mais comum para a transferência foi um progresso lento do trabalho de parto (33,3%). No Brasil, um estudo de 2019 constatou que as principais causas para a transferência materna em CPNs, foram o tempo de bolsa rota prolongado (50%), presença de mecônio (32,2%) e alterações cardiofetais (17,8%)(4, 8, 18).
A avaliação contínua do risco intraparto é essencial para garantir bons resultados com segurança e o EO é capacitado para isso. Quando ocorrem complicações que elevam o risco de morbimortalidade materno-fetal, a transferência da parturiente de um CPN para um Hospital de Referência assegura a continuidade da assistência em um nível de complexidade maior. Esse referenciamento faz parte do modelo de assistência de um centro de parto normal e representa uma rede de segurança eficaz para dar suporte às mulheres que desejam dar à luz em uma CP(7, 18).
CONCLUSÃO
Diante dos resultados desse estudo, fica evidente que a maioria das mulheres são efetivamente referenciadas à unidade hospitalar, seja pelo pré-natal ou pela própria casa de parto. A minoria que procurou o hospital por demanda espontânea foi, entre outras causas, por sentir medo de intercorrências que podem acontecer durante o trabalho de parto, além de uma parcela que demonstrou desconhecimento do fluxo de atendimento do CPN, e outras por desconhecimento sobre a fase ativa do trabalho de parto, o que pode levar à internação precoce e intervenções desnecessárias no hospital.
Assim sendo, um pré-natal de qualidade que visa assegurar as informações essenciais sobre o direito de escolha, vinculação e autonomia da parturiente sobre o local de parto, como de informações sobre o processo do trabalho de parto são essenciais para tornar o fluxo Pré-natal-CPN-Hospital de Referência mais eficiente.
REFERÊNCIAS
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