PACIENTES SUBMETIDAS AO PARTO NORMAL APÓS UMA CESÁREA PRÉVIA EM UMA CASA DE PARTO
PATIENTS UNDERGOING NORMAL BIRTH AFTER A PREVIOUS CESAREAN SECTION IN A BIRTH HOUSE
PACIENTES EN PARTO NORMAL TRAS UNA CESÁREA ANTERIOR EN
CASA DE PARTO
Gabriela Marques Araújo. Enfermeira e Residente em Enfermagem Obstétrica pela Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS). Brasília (DF), ORCID: 0009-0009-0067-7509
Hygor Alessandro Firme Elias. Enfermeiro Obstetra, Mestre em Enfermagem, Tutor do Programa de Residência de Enfermagem Obstétrica da Fundação de Ensino em Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS). Brasília (DF), ORCID: 0000-0002-4285-902X
Kelly da Silva Cavalcante Ribeiro. Enfermeira Obstetra, Mestre em Ciências da Saúde, Coordenadora da Residência de Enfermagem Obstétrica da Fundação de Ensino em Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS). Brasília (DF), ORCID:0000-0001-9882-9455
RESUMO
OBJETIVO: analisar a viabilidade de partos normais com histórico de uma cesárea prévia, realizados por enfermeiras obstetras em uma casa de parto do Distrito Federal e suas consequências para parturientes e neonatos. MÉTODO: estudo descritivo, exploratório, com abordagem quantitativa e busca de dados retrospectivos de puérperas com histórico de uma cesárea prévia, que foram internadas na Casa de Parto de São Sebastião, para assistência ao parto normal de risco habitual, durante o período de julho de 2020 a julho de 2023. A coleta de dados se deu através de questionário estruturado do perfil obstétrico das pacientes respondido através da análise dos prontuários. RESULTADOS: participaram 39 pacientes, das quais apenas 03 apresentaram intercorrências. Dessas, 5,13% foram relacionadas a hemorragia pós-parto e 2,56% foram casos de distócia de ombros. CONCLUSÃO: as Casas de Partos se apresentam como uma forma segura para a assistência ao parto normal assistidos por enfermeiras obstetras, em pacientes que apresentam histórico de uma cesárea prévia.
DESCRITORES: nascimento vaginal após cesárea; centros de assistência à gravidez e ao parto; enfermagem obstétrica; parto normal.
INTRODUÇÃO
O modelo de atenção ao parto no Brasil é marcado pela utilização excessiva de interferências obstétricas e neonatais. Aperfeiçoar a qualidade da assistência obstétrica, particularmente no atendimento ao parto e nascimento, com a consequente diminuição da morbimortalidade materna, é um dos obstáculos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para os anos de 2016 a 2030.A prática clínica baseada em evidências científicas, fundamentada nas pesquisas mais recentes, tem sido apontada como uma estratégia eficaz para assegurar o cuidado e a segurança da paciente, contribuindo para a melhoria da qualidade da assistência obstétrica.(1)
O crescimento nos índices de cesáreas alarma cientistas, desenvolvedores de políticas públicas e trabalhadores da área da saúde, visto que o procedimento é associado a consequências negativas para as parturientes e seus recém-nascidos, pois essas mulheres podem ter um risco maior de morbimortalidade, de terem outros filhos com prematuridade e na chance de desenvolverem anomalias placentárias em futuras gestações. (2)
O aumento de cesárea no Brasil e no mundo tem como um fator determinante o histórico de cesárea anterior; porém a realização do VBAC, sigla em inglês para “Vaginal Birth After Cesarean”, que em português significa “parto vaginal após cesárea” vem apresentando baixos índices de complicações corroborando revisões sistemáticas que indicam a viabilidade do VBAC, visto que a exposição à cesariana eletiva de acordo com o Ministério da Saúde (MS) só é indicada quando houver mais de uma cesárea anterior ou em situações de contraindicação absoluta para parto vaginal.(3)
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que os números de cesáreas entre 10 e 15% não colaboram para a diminuição da morbimortalidade materna e perinatal. A cesárea sem recomendação clínica afeta negativamente os resultados de saúde materna e neonatal, ocasionando morte do binômio, acréscimo de histerectomias, maior necessidade de transfusão sanguínea, aumento de sangramento pós-parto, problemas relacionados à anestesia e choque, podendo ainda causar complicações em posteriores gestações, em virtude de alterações placentárias e ruptura uterina. As complicações para o neonato ainda incluem as dificuldades respiratórias e internação em Unidade de Terapia intensiva (UTI).(4)
Os Hospitais públicos e privados no Brasil são alvo de um esforço constante para redução da alta incidência de parto via cesárea. Em 2015, foi instituído o projeto Parto adequado apoiado por diversas instituições privadas e instituições públicas como o Ministério da Saúde (MS) e a Agência Nacional de Saúde (ANS), visando medidas como: melhora na qualidade da assistência e segurança no parto, novos métodos de assistência científicos e inovadores, participação da família e valorização da autonomia da gestante e a evolução natural do parto. (5)
O parto vaginal deve ser incentivado pelos amplos benefícios, tais como recuperações mais rápidas, menor chance de riscos em gestações futuras e menor possibilidade de doenças infantis, incluindo obesidade, asma e alergias. (6) De acordo com a literatura, parturientes que passam por parto vaginal após cesárea prévia tem uma recuperação instantânea após o parto e relatam diminuição da dor no puerpério, incidindo para uma decisão de uma escolha mais saudável para a mãe e o recém-nascido. (7)
As gestantes de risco habitual têm como alternativa para realização de seu parto os Centros de Parto Normal (CPN), onde será assistida de forma autônoma por enfermeiras obstétricas/obstetrizes. As Casas de Parto atuam em colaboração com um hospital de referência, em que se encontram à disposição médicos obstetras, anestesistas e neonatologistas, assegurando o suporte às intercorrências que envolvem remoção do binômio, quando necessário. (8)
A atuação de obstetras e obstetrizes em Casas de Parto e/ou Centros de Parto Normal é regulamentada pela resolução COFEN N° 0478/2015, que traz em seu art. 3° as atribuições desses profissionais. Dentre elas está a avaliação de todas as condições de saúde materna (clínicas e obstétricas), assim como as do feto; promoção de um modelo de assistência com foco na mulher, no parto e nascimento e na promoção de um ambiente favorável ao parto e nascimento de evolução fisiológica; bem como adoção de práticas baseadas em evidências científicas, na realização de encaminhamento da mulher e/ou recém-nascido a um nível de assistência mais complexo caso sejam observados complicações ou fatores de risco que justifiquem esse transporte, e ainda, garantir a integralidade e cuidado à mulher e ao recém-nascido por meio de articulação de pontos de atenção, levando em conta a rede de atenção à saúde.(9)
O Centro de Parto Normal de São Sebastião (CPNSS), conhecido como Casa de Parto de São Sebastião, é reconhecido pelo Ministério da Saúde como um CPN peri-hospitalar.(10) A unidade peri-hospitalar denominada Centro de Parto Normal (CPNp), oferece assistência às gestantes de risco habitual no trabalho de parto, parto e puerpério. O local é considerado modelo de referência em assistência humanizada ao parto no Distrito Federal, sendo o atendimento referenciado à unidade ou por demanda espontânea. Localizada em São Sebastião-DF, foi criada em 2001 e desde 2009 a assistência é prestada exclusivamente pela equipe de enfermagem (enfermeiros obstetras e técnicos em enfermagem), tendo como objetivo ofertar assistência humanizada no parto normal com enfoque nas parturientes e recém-nascidos com base nas diretrizes da Rede Cegonha. (11)
Em 2020, durante a pandemia de COVID-19, a CPNSS ampliou o seu protocolo de admissão de parturientes, para tornar viável a admissão das gestantes de risco habitual com histórico de uma cesárea prévia. Este último, até então, era fator de exclusão de parturientes na CPNSS, mas durante a pandemia de COVID-19 e diante da letalidade do vírus em gestantes, que eram consideradas grupo de risco, chegou-se à conclusão de que a CPNSS era mais segura para o parto de pacientes com uma cesárea prévia que expor estas pacientes saudáveis ao ambiente hospitalar com livre circulação do coronavírus.
Diante do exposto, surge o questionamento: é segura a assistência ao parto normal, em Casa de Parto, para pacientes com histórico obstétrico de uma cesárea prévia? Logo, este estudo tem como objetivo analisar a viabilidade de partos normais com histórico de uma cesárea prévia, realizados por enfermeiras obstetras em uma casa de parto do Distrito Federal e suas consequências para parturientes e neonatos.
MÉTODO
Trata-se de um estudo observacional, com delineamento descritivo e abordagem exploratória, desenvolvido com base em dados retrospectivos. A estrutura metodológica seguiu as recomendações do checklist STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology), que orienta a condução e o relato de estudos observacionais, garantindo maior rigor e transparência científica.
As participantes da pesquisa foram puérperas com histórico de uma cesárea prévia, internadas na CPNSS para assistência ao parto normal de risco habitual. Os critérios de exclusão foram: gestação de alto risco, histórico de mais de uma cesárea prévia e menores de idade.
Este estudo utilizou como instrumento de coleta de dados um questionário estruturado e análise de prontuário. Primeiramente foram analisados 60 prontuários, abrangendo um período de 4 anos, de julho de 2020 a julho de 2023. Deste total, 39 prontuários foram selecionados para a pesquisa, pois atendiam aos critérios de inclusão. O instrumento de pesquisa abrangia dados das características sócio-demográficas e obstétricas, como idade, paridade, idade gestacional, além de informações sobre a assistência pré-natal, incluindo o número de consultas.
Também foram coletados dados sobre o parto e pós-parto, informações sobre intervenções feitas por profissionais de saúde e intercorrências no trabalho de parto e puerpério, entre outros.
A coleta foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), conforme parecer nº 7.128.769, vinculado ao Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 83112424.7.0000.5553. Os dados foram organizados em planilhas e analisados por meio de estatística descritiva simples, com apresentação em frequências absolutas e relativas, utilizando-se o programa Microsoft Excel.
RESULTADOS
Dos 39 prontuários analisados observou-se que a grande maioria das pacientes a faixa etária se concentrou entre 25 e 29 anos, evidenciando um pico nesta categoria. Em contrapartida, tanto as pacientes entre 30 e 34 anos, quanto aquelas com 35 anos ou mais, apresentaram distribuição idêntica, com 23,08% cada. Já a menor proporção foi encontrada entre as pacientes de 20 a 24 anos. Essa análise revela uma distribuição etária diversificada, com predominância na faixa dos 25 a 29 anos, seguida por uma divisão equilibrada entre as faixas de 30 a 34 anos e 35 anos ou mais.
Com relação à idade gestacional, todas tinham entre 38 e 41 semanas; sendo a idade gestacional de 39 semanas com maior prevalência, representando mais de um terço dos casos, seguida de 40 semanas e 38 semanas, com a mesma quantidade de casos e 41 semanas, com a menor parte, conforme demonstrado na tabela 1.
A distribuição do número de gestações entre as pacientes foi a seguinte: 10,26% tiveram cinco gestações, 12,82% tiveram quatro, 30,77% tiveram três e 43,59% tiveram duas. É importante ressaltar que todas as pacientes tinham o histórico de uma cesárea prévia.
A análise do número de consultas de pré-natal revelou que somente 10,26% das pacientes tiveram até 6 consultas, enquanto a grande maioria (89,74%) tiveram mais de 6 consultas de pré-natal.
Com relação aos resultados dos testes rápidos de HIV, todos tiveram resultados não reagentes. Já na testagem para sífilis, houve um teste reagente. A apresentação desses dados encontra-se na Tabela 1.
Tabela 1: Características Demográficas e Clínicas das Pacientes com Parto na Casa de Parto São Sebastião, DF (2025) - N=39.
Quantidade | % | ||
Idade | 20-24 anos | 7 | 17,95 |
25-29 anos | 14 | 35,90 | |
30-34 anos | 9 | 23,08 | |
≥35 anos | 9 | 23,08 | |
Idade Gestacional | 38 semanas | 11 | 28,21 |
39 semanas | 15 | 38,46 | |
40 semanas | 11 | 28,21 | |
41 semanas | 02 | 5,13 | |
N° de consultas | ≤6 consultas | 04 | 10,26 |
>6 consultas | 35 | 89,74 | |
Paridade | G2 | 17 | 43,59 |
G3 | 12 | 30,77 | |
G4 | 05 | 12,82 | |
G5 | 04 | 10,26 | |
Testes Rápidos Negativos | Sífilis | 38 | 97,44 |
HIV | 39 | 100 | |
Total | 39 | 100% |
Fonte: autoria própria (2025).
Com relação ao período de bolsa rota, mais da metade das pacientes tiveram tempo menor que 02 horas, seguidas das que apresentaram mais de quatro horas de ruptura das membranas até o parto. Na tabela 2, estão dispostas as informações colhidas da amostra.
Tabela 2: Tempo de Bolsa Rota: Dados da Casa de Parto São Sebastião, DF (2025).
Categoria | Média (minutos e horas) | N° de casos | % |
Tempo de Bolsa Rota | ≥00:00 horas e < 02:00 horas | 23 | 58,97 |
≥2h e <4h | 4 | 10,26 | |
≥4h | 12 | 30,77 | |
Total | 39 | 100% |
Fonte: autoria própria (2025).
O uso da ocitocina no período expulsivo não se mostrou necessário em nenhuma das pacientes.
Durante o período expulsivo, as pacientes utilizaram cinco posições de parto diferentes: banqueta, quatro apoios, decúbito lateral, semi-sentada, litotômica e outras. As posições verticalizadas e lateralizadas prevaleceram, correspondendo a um total de 82,05%. Já as posições horizontalizadas e outras corresponderam a menos de um quinto da escolha das pacientes. Em relação às lacerações, 71,79% das pacientes apresentaram algum grau de laceração, enquanto 28,21% não apresentaram laceração. A prevalência de laceração de grau II foi a mais recorrente, conforme apresentado na tabela 3.
Tabela 3: Uso de Ocitocina, Posição e Lacerações, Dequitação no Parto: Análise da Casa de Parto São Sebastião, DF (2025).
Variável | Quantidade | % | |
Uso de Ocitocina no período expulsivo | Sim | 0 | 0 |
Não | 39 | 100 | |
Posições de parto | Banqueta | 13 | 33,33 |
Quatro apoios | 10 | 25,64 | |
Posição lateral | 09 | 23,08 | |
Semi-sentada | 05 | 12,82 | |
Litotômica | 01 | 2,56 | |
Outras | 01 | 2,56 | |
Lacerações | Sim | 28 | 71,79 |
Não | 11 | 28,21 | |
Grau da laceração | I | 11 | 28,21 |
II | 16 | 41,03 | |
III e IV | 1 | 2,56 | |
Tempo de dequitação | < 30 minutos | 39 | 100 |
Total | 39 | 100% |
Fonte: autoria própria (2025).
Durante o trabalho de parto e pós-parto imediato, ocorreram as seguintes intercorrências: hemorragia pós-parto (n=2) e distorcia de ombro (n=1), o que corresponde a somente 7,69% do total dos 39 prontuários analisados. Apenas 3 pacientes necessitaram de transferência para atendimento terciário devido a complicações, como lacerações, icterícia neonatal e hemorragia pós-parto. A grande maioria não precisou de cuidados especializados adicionais, conforme tabela 4.
Tabela 4: Intercorrências Obstétricas e Encaminhamentos: Casa de Parto São Sebastião, DF (2025).
Critérios | Tipos | N° de Casos | % |
Intercorrências | Distócia de ombro | 01 | 2,56 |
Hemorragia pós-parto | 02 | 5,13 | |
Sem intercorrências | 36 | 92,31 | |
Remoção | Sim | 3 | 7,69 |
Não | 36 | 92,31 | |
Motivo da remoção | Icterícia | 1 | 33,3 |
Hemorragia pós-parto | 1 | 33,3 | |
Laceração | 1 | 33,3 | |
Total | 39 | 100% |
Fonte: autoria própria (2025).
Após o nascimento, todos os recém-nascidos (RN) apresentaram Apgar maior ou igual a 7 no quinto minuto. Quase a totalidade deles fizeram contato pele a pele durante toda a primeira hora de vida e apenas 1 neonato permaneceu por um tempo inferior a 1 hora junto à mãe após o nascimento.
Acerca da amamentação, evidenciou-se que dos 39 prontuários analisados, 05 não possuíam informações acerca deste item. Aproximadamente três quartos das pacientes realizaram amamentação na primeira hora de vida (n=29) e 05 recém-nascidos não realizaram a amamentação neste período. Das pacientes que não puderam amamentar na primeira hora, foram relatados como motivos: dificuldade no manejo, condição clínica da mãe e condição clínica do recém-nascido. Os dados foram compilados na Tabela 5.
Tabela 5: Indicadores de Saúde Neonatal: Apgar, Contato Pele a Pele e Amamentação. Casa de Parto São Sebastião, DF (2025).
Indicadores | Critérios | Quantidade | % |
Apgar no quinto minuto | ≥7 | 39 | 100 |
<7 | 0 | 0 | |
Contato pele a pele na 1°hora de vida | ≥1hora | 38 | 97,44 |
<1hora | 1 | 2,56 | |
Amamentação na 1°hora vida | Sim | 29 | 74,36 |
Não | 5 | 12,82 | |
Sem registro | 5 | 12,82 | |
Razão para não iniciar a amamentação | Condição clínica da puérpera | 2 | 40 |
Condição clínica do recém-nascido | 1 | 20 | |
Dificuldade na amamentação | 2 | 40 | |
Total | 39 | 100% |
Fonte: autoria própria (2025).
DISCUSSÃO
O estudo mostrou que a maioria da amostra estudada não possuía idade materna avançada e os desfechos das pacientes submetidas a parto normal após uma cesárea foram positivos para mães e bebês. Corroborando com este dado, um estudo realizado no Brasil em 2022, revelou que a idade materna avançada, acima de 35 anos, é um fator de risco para a mortalidade materna e fetal.(12) Uma outra pesquisa concluiu que pacientes com idade materna avançada, que tiveram parto normal após cesárea prévia apresentaram risco elevado de falha na progressão e rotura uterina.(13)Assim, conforme observado neste estudo, a idade materna abaixo dos 35 anos pode contribuir para desfechos maternos e fetais favoráveis, porém houve divergência com relação à parada de progressão ou risco de rotura uterina, pois nenhuma paciente precisou ser transferida por estas causas.
Outro fator que também contribuiu para desfechos favoráveis foi o número de consultas de pré-natal. O Ministério da Saúde indica um número mínimo de seis consultas, as quais recomenda-se ser alternadas entre enfermeiros e médicos, com início antecipado, em que a primeira consulta deve ser até a 12° semana de gestação. (14) Portanto, é evidente que a realização adequada do pré-natal, juntamente com um acompanhamento rigoroso, traz benefícios significativos para uma parto normal seguro após uma cesárea prévia.
A maioria das gestações foi a termo, com uma incidência significativamente maior na idade gestacional de 39 semanas. A literatura mostra que pacientes têm maior sucesso em um parto vaginal após cesárea prévia, quando apresentam uma idade gestacional igual ou maior que 39 semanas. (15) Diante do exposto no estudo e dos dados da literatura, é possível inferir que pacientes com idade gestacional igual ou maior que 39 semanas podem ter desfechos favoráveis para parto normal pós-cesárea prévia.
Há estudos que mostram que a presença de repetidas cesáreas prévias são um fator de risco para o encarceramento placentário e para formação de anomalias placentárias que dificultam ou mesmo impedem a dequitação, devido a presença de cicatrizes uterinas repetidas que levam à fibrose local.(16) A Casa de Parto de São Sebastião tem como critério de admissão apenas pacientes com histórico de uma cesárea anterior, ou seja, uma cicatriz uterina prévia, o que minimiza o risco do encarceramento placentário. Em todas as pacientes analisadas, não houve dequitação com tempo superior a 30 minutos. A Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal de 2022 estabelece que um tempo de dequitação de até 30 minutos é considerado dentro da normalidade. Esse período, que ocorre entre a saída do recém-nascido e a expulsão da placenta, apresenta uma média de duração entre 5 e 6 minutos. No entanto, um tempo entre 10 e 19 minutos já está associado ao aumento no risco de hemorragia, sendo que esse risco cresce progressivamente a cada 10 minutos adicionais.(17) A idade gestacional, também é apontada como um dos principais fatores que influenciam a duração da dequitação, com recém-nascidos a termo apresentando um período mais curto de expulsão placentária em comparação aos prematuros.(17) Dessa forma, o tempo de dequitação observado no estudo manteve-se dentro dos parâmetros normais, indicando ausência de complicações na retirada da placenta e favorecendo o sucesso do parto normal após cesárea prévia.
A grande maioria das pacientes apresentou ruptura da membrana amniótica antes do início do trabalho de parto ativo ou nos estágios iniciais deste, o que não teve repercussões negativas durante o trabalho de parto. Corroborando com esse achado, um estudo confirmou que a bolsa rota é relacionada ao parto vaginal após cesárea como um sinal de sucesso, onde o mesmo é justificado pela liberação de prostaglandinas naturais, que auxiliam no progresso do trabalho de parto e reduzem as chances de anormalidade durante o trabalho de parto e contrações uterinas não efetivas.(18)Deste modo, os resultados deste estudo sugerem que a ruptura da membrana amniótica pode ser um fator favorável ao sucesso do parto vaginal após cesárea, corroborando com a literatura que associa esse achado a um desfecho positivo para as pacientes.
Observou-se ainda que as pacientes com cesárea prévia que tiveram parto normal, apresentaram um baixo índice de remoção para o hospital de referência. Dos motivos apresentados no estudo (icterícia, hemorragia pós-parto e complicações de laceração), apenas a hemorragia pós-parto pode estar associada diretamente à presença de cicatriz uterina anterior. Embora a literatura apresente divergências quanto ao risco de hemorragia no parto vaginal após cesárea, alguns estudos indicam que mulheres com histórico de cesariana podem ter maior probabilidade de necessitar de transfusão sanguínea. Além disso, a histerectomia é relatada com maior frequência entre aquelas que passaram por cesárea, sugerindo que, quando ocorrem episódios de hemorragia, eles tendem a ser mais graves. (19) Neste estudo, foi registrado somente um caso de hemorragia pós-parto, o que reforça a importância do acompanhamento rigoroso destas pacientes no puerpério imediato. Outra importante etiologia de hemorragias pós-parto é a retenção placentária. No entanto, como já relatado anteriormente, a maioria das participantes manteve um tempo de dequitação dentro dos parâmetros normais, indicando que não houve complicações associadas a esta causa.
Outro ponto de destaque foi o alto índice de sucesso na amamentação na primeira hora de vida dos recém-nascidos, o que denota a qualidade do atendimento obstétrico recebido pelas pacientes. A literatura aponta que a presença de acompanhante durante toda a internação, o parto vaginal assistido por enfermeira obstetra e a acreditação da unidade hospitalar na Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) aumentam as chances de amamentação na primeira hora de vida.(20) Um estudo adicional mostra que a amamentação na primeira hora traz uma interação precoce entre mãe e bebê, redução de estresse do recém-nascido, regulação da respiração do neonato e uma queda na taxa de mortalidade neonatal.(21) O aleitamento materno na primeira hora de vida é um importante indicador de excelência no cuidado neonatal.
O estudo revelou também que todos os recém-nascidos apresentaram um índice de Apgar igual ou superior a 7 no quinto minuto de vida. Um estudo aponta que um índice de Apgar inferior a 7 no quinto minuto é indicador de condições não adequadas de vitalidade neonatal, indicando maior possibilidade de necessidade de cuidados da atenção terciária. Pesquisas recentes reforçaram a importância desse instrumento prognóstico na identificação de crianças em risco de hipóxia. Em estudos populacionais, a análise do índice de Apgar no quinto minuto é uma das melhores ferramentas para avaliar as condições de nascimento do recém-nascido. (22) Assim, não houve associação de desfechos negativos ao nascer nos partos normais após uma cesárea prévia.
Vale ressaltar que o uso de ocitocina durante o período expulsivo não foi necessário em nenhuma das pacientes. A literatura aponta que a utilização de ocitocina em parturientes com cesárea prévia pode aumentar o risco de ruptura uterina. No entanto, o risco absoluto de ruptura é reduzido e comparável ao observado em pacientes com cesárea prévia que entram em trabalho de parto espontâneo. (13) Outro estudo indica que o risco de ruptura uterina é mais acentuado quando há a utilização conjunta de prostaglandinas e ocitocina. (23) As parturientes do presente estudo entraram em trabalho de parto espontâneo, sem necessidade de indução ou uso de medicamentos, apresentando evolução de parto natural e sem complicações.
CONCLUSÃO
O estudo demonstrou que pacientes que realizaram parto normal após uma cesárea prévia na Casa de Parto, assistidas exclusivamente por enfermeiras obstetras, apresentaram resultados positivos significativos, com baixo risco de complicações maternas e neonatais.
Embora uma das limitações do estudo seja o número de pacientes observadas (amostra pequena), foi possível observar que a idade materna abaixo de 35 anos, pré-natal com mais de 6 consultas, amamentação precoce e ausência do uso da ocitocina no trabalho de parto, são fatores que podem estar relacionados para desfechos perinatais positivos em partos normais após uma cesárea prévia, quando assistidos por enfermeiras obstetras em Casas de Partos.
No entanto, a literatura atual é limitada e sugere a necessidade de mais pesquisas aprofundadas para melhorar a compreensão dos fatores que influenciam o sucesso do parto normal após uma cesárea prévia.
REFERÊNCIAS
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