DIFICULDADES DOS ENFERMEIROS NO CUIDAR ESPIRITUAL DA PESSOA EM SITUAÇÃO PALIATIVA: UMA SCOPING REVIEW
DIFICULDADES DOS ENFERMEIROS NO CUIDAR ESPIRITUAL DA PESSOA EM SITUAÇÃO PALIATIVA: UMA SCOPING REVIEW
DIFFICULTIES OF NURSES IN THE SPIRITUAL CARE OF THE PALLIATIVE PERSON: A SCOPING REVIEW
DIFICULTADES DE LAS ENFERMERAS EN LA ATENCIÓN ESPIRITUAL DEL PACIENTE DE CUIDADOS PALIATIVOS: UNA REVISIÓN DE ALCANCE
Ana Sofia Meira dos Santos. Licenciada em Enfermagem ,Enfermeira Team Leader Oncologia – Grupo Trofa Saúde, Portugal; Mestranda do 1º Curso de Especialidade em Enfermagem à Pessoa em Situação Paliativa da Escola Superior de Saúde de Viana do Castelo, Portugal ORCID ID: 0000-0002-7596-802X
Bruno Miguel Gomes Pereira Feiteira. Mestre em Enfermagem, Professor convidado do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Portugal – Escola Superior de Saúde; Doutorando em Ciências de Enfermagem; Especialista em Enfermagem; Mestre e Especialista em Cuidados Paliativos; Enfermeiro no Hospital da Luz – Póvoa de Varzim, Portuga ORCID ID: 0000-0003-3530-981X
Maria Albertina Álvaro Marques. Doutora em Enfermagem, Professora Adjunta do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Portugal – Escola Superior de Saúde; Doutora em Ciências de Enfermagem; Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde da Universidade Católica; Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem ORCID ID: 0000-0002-1797-8748
Autor correspondente: Ana Sofia Meira dos Santos. Enfermeira Team Leader Oncologia – Grupo Trofa Saúde, Portugal 4480-195, Vila do Conde, Portugal. Email: ana.sofia.santos@trofasaude.com
INTRODUÇÃO
O aumento da prevalência das doenças crónicas e degenerativas está intimamente relacionado com o aumento da esperança média de vida que se tem verificado, o que conduz à necessidade de alteração do paradigma do cuidar. Torna-se imprescindível que, no caso da pessoa com doença grave sem perspetiva de cura, o foco deixe de ser o tratar e curar doenças e passe a ser o suprir das necessidades multidimensionais da pessoa e seus familiares. É neste contexto que emergem os cuidados paliativos (CP), assentando numa abordagem que por objetivo potenciar a qualidade de vida da pessoa com doença incurável e/ou grave, progressiva e avançada, bem como das suas famílias, enquanto seres biopsicossociais e espirituais1.
A espiritualidade pode ser definida como a capacidade da pessoa ter consciência de si mesmo, de procurar um sentido para os acontecimentos da sua vida e de um propósito existencial2. Consiste na tentativa da pessoa se relacionar com o transcendente para encontrar significado, propósito e esperança3.
Deste modo, quando uma pessoa se depara com um diagnóstico de uma doença sem perspetiva de cura, pode surgir associado o sofrimento espiritual, pela perda de sentido, perda do significado da vida e perda da esperança4. Várias pesquisas revelam existir forte ligação entre saúde e espiritualidade5 sendo que esta última contribui para o bem-estar e atua como estratégia de coping, ajudando as pessoas a lidarem com agentes stressores 2 tornando-se benéfico a inclusão da espiritualidade na prática de cuidados6.
De facto, a dimensão espiritual sendo algo intrínseco à pessoa, necessita ser uma componente central nos CP de qualidade, tornando-se parte integrante da essência da abordagem paliativista7.
Mesmo com o reconhecimento da importância destes cuidados, a espiritualidade continua a ser a dimensão mais negligenciada nos últimos momentos da vida das pessoas e a mais desconhecida nos CP8, pelo que a intervenção direcionada à dimensão espiritual durante o processo de cuidar da pessoa com doença incurável e/ou grave, progressiva e avançada é praticamente inexistente ou mesmo nula9. Face ao exposto, optamos pela elaboração de uma scoping review, com o objetivo de mapear a evidência científica relativa ás dificuldades dos enfermeiros no cuidar espiritual, em CP.
MÉTODO
Trata-se de um estudo do tipo scoping review. Esta metodologia constitui um estudo secundário, decorrente de revisões de estudos primários e tem ganho cada vez mais relevo, tendo-se tornado numa referência, à medida que o número de estudos de investigação primários tem crescido10.
Para a elaboração da scoping review, recorremos ao protocolo definido pelo Joanna Briggs Institute (JBI)10 e à extensão do PRISMA para scoping review11.
Para a estratégia de pesquisa e identificação dos estudos, recorremos à estratégia PCC- População, Conceito e Contexto. Foram, ainda, definidos como critérios de inclusão: Participantes – enfermeiros; Conceito – dificuldades dos enfermeiros no cuidar espiritual da pessoa em CP; Contexto - unidades de CP (internamento, equipa intra-hospitalar, comunitária).
Por outro lado, foram definidos como critérios de exclusão estudos que não estejam disponíveis em texto integral.
Os critérios de elegibilidade obedeceram aos seguintes parâmetros: Tipo de Estudo – considerados os estudos primários (qualitativos, quantitativos e mistos); Idioma – consideradas publicações disponíveis em Português, Espanhol e Inglês; Data de publicação – considerados estudos dos últimos 5 anos (2017-2022).
A pesquisa nas bases de dados ocorreu entre o dia 9 de junho de 2022 e o 25 de junho de 2022.
Numa primeira fase, realizamos uma pesquisa aleatória e exploratória com termos relacionados com a espiritualidade em CP, de forma a compreender quais os descritores mais utilizados.
Numa segunda fase, definimos os termos das frases booleanas para a realização da pesquisa final, identificando-se os respetivos descritores através dos termos Medical Subject Headings (MeSH): Spirituality; Spiritual Care; Palliative Care; Terminal Care; End of Life; Difficulties. Numa terceira fase, as referências bibliográficas de todos os estudos selecionados para leitura integral foram analisadas, de forma a identificar-se estudos adicionais.
Esta pesquisa foi aplicada em quatro bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), National Library of Medicine (PUBMED), Cummulative Index to Nursing and Allied Heath Literature (CINAHL) e Web of Science, considerando a seguinte frase booleana de pesquisa: Palliative Care OR End of Life OR Terminal Care AND Difficulties AND Spirituality OR Spiritual Care.
A pesquisa, seleção e leitura dos estudos foram efetuados por dois revisores de modo independente.
Os dados foram igualmente extraídos por dois revisores de forma independente, usando um instrumento desenvolvido pelos investigadores para esse fim e alinhado com o objetivo da scoping review, composto pelos seguintes itens: identificação do estudo; autores do estudo; ano do estudo; país onde foi desenvolvido; objetivo do estudo; tipo de estudo/desenho; amostra/participantes; instrumentos e/ou técnicas de produção de dados; principais resultados; principais conclusões.
A apresentação dos estudos selecionados e dos resultados foi realizada com recurso a tabelas, de forma a sintetizar a informação encontrada.
A categorização foi a forma adotada para a análise dos resultados, sendo que as categorias que surgiram foram validadas por todos os investigadores.
RESULTADOS
Na pesquisa, os resultados foram apresentados com o recurso a tabelas, de forma a sistematizar e a tornar mais percetível a sua análise. Foram identificados, numa primeira fase, 3858 estudos para a revisão através da pesquisa nas bases de dados eletrónicas: LILACS, PUBMED, CINAHL e Web of Science. Ainda, por via eletrónica, foram identificados e removidos 315 estudos duplicados, tendo ficado para análise 3543 estudos.
Estes 55 estudos foram analisados na integra e aplicados os critérios de inclusão e exclusão, com apoio do preenchimento de uma checklist construída para o efeito. Os estudos que cumpriam estes 3 critérios foram elegíveis para fazer parte da seleção final e ficamos com uma amostra final de 10 estudos. Foram realizadas fichas de leitura destes 10 estudos. O processo de pesquisa e seleção dos estudos da presente scoping review está representada no fluxograma PRISMA (Figura 1).
Os 10 estudos selecionados apresentavam datas compreendidas entre 2017 e 2022. Verificamos que 1 estudo foi publicado em 2017, 2 estudos foram publicados em 2019, 1 estudo foi publicado em 2020, 5 estudos foram publicados em 2021 e 1 estudo foi publicado no ano de 2022. Quanto ao tipo de estudo, são maioritariamente qualitativos (8 estudos) e 2 mistos.
No que diz respeito à nacionalidade, verificámos que se trata de uma temática estudada em inúmeros países designadamente Dinamarca, Irlanda, EUA, Brasil, Suíça, Espanha, Alemanha e Coreia do Sul, o que mostra uma preocupação transversal e internacional.
Os 10 estudos selecionados apresentavam datas compreendidas entre 2017 e 2022. Verificamos que 1 estudo foi publicado em 2017, 2 estudos foram publicados em 2019, 1 estudo foi publicado em 2020, 5 estudos foram publicados em 2021 e 1 estudo foi publicado no ano de 2022. Quanto ao tipo de estudo, são maioritariamente qualitativos (8 estudos) e 2 mistos.
No que diz respeito à nacionalidade, verificámos que se trata de uma temática estudada em inúmeros países designadamente Dinamarca, Irlanda, EUA, Brasil, Suíça, Espanha, Alemanha e Coreia do Sul, o que mostra uma preocupação transversal e internacional.
No que se refere ao contexto onde foram realizados os estudos, verificou-se que na sua maioria ocorreram em contexto hospitalar, sendo apenas 2 deles em contexto misto (hospitalar e comunitário).
Apresentamos, na seguinte tabela, as caraterísticas principais de cada estudo presente na amostra final (Tabela1).
Tabela 1 – Apresentação dos estudos da scoping review
Fonte: elaborada pelos autores, 2023
Apresentamos, também, os objetivos e resultados dos estudos constituintes da amostra final, tendo como referência o objetivo da scoping review (Tabela 2).
Tabela 2- Síntese dos objetivos e resultados dos estudos da scoping review
Fonte: elaborada pelos autores, 2023
De forma a sintetizar os resultados e através da categorização, apresentamos uma tabela que evidencia a síntese relativa às dificuldades dos enfermeiros no cuidar espiritual da pessoa em CP (Tabela 3).
Tabela 3 - Dificuldades dos enfermeiros no cuidar espiritual da pessoa em CP
Fonte: elaborada pelos autores, 2023
Assim, após esta análise dos resultados emergiram 8 categorias referentes às dificuldades dos enfermeiros no cuidar espiritual da pessoa em CP: falta de tempo; falta de confiança dos enfermeiros; evitamento pelo enfermeiro em prestar cuidados espirituais; falta de formação; espiritualidade dos enfermeiros pouco desenvolvida; referenciação tardia para os CP; falta de reconhecimento da organização da importância dos cuidados espirituais; e crenças diferentes entre enfermeiros e pessoa doente. Verificamos que, das categorias definidas, a falta de formação é a mais mencionada, tendo sido identificada em 90% estudos, seguindo-se a falta de tempo identificada em 60% e a falta de reconhecimento da organização da importância dos cuidados espirituais em 50 %. As restantes categorias situam-se entre os 30% e 10% dos estudos.
DISCUSSÃO
Após o mapeamento da evidência científica relativa às dificuldades dos enfermeiros no cuidar espiritual em CP impõe-se uma discussão analítica, crítica e reflexiva dos achados.
A espiritualidade constitui-se numa dimensão intrínseca à pessoa e de acordo com Evangelista et al.21 um fator crucial na prestação de cuidados de enfermagem à pessoa com doença incurável e/ou grave, progressiva e avançada. Efetivamente a espiritualidade deve ser uma componente substancial do cuidar em CP.
A análise da produção científica mostrou que a importância do cuidar espiritual em CP é reconhecida pelos enfermeiros na maior parte dos estudos8,14-17,19-20 e a evidência científica demonstra este reconhecimento como significativo para o processo de cuidar6,18,21-26. Porém, mesmo com o reconhecimento da sua importância, existem algumas barreiras à inclusão do cuidar espiritual por parte dos enfermeiros. Entre as várias dificuldades dos enfermeiros no cuidar espiritual em CP que surgiram da análise dos estudos desta revisão, podemos destacar: Falta de tempo (60%); Falta de confiança dos enfermeiros (30%); Evitamento por parte do profissional em prestar cuidados espirituais (20%); Falta de formação (90%); Espiritualidade dos enfermeiros pouco desenvolvida (10%); Referenciação tardia para os CP (20%); Falta de reconhecimento da importância da espiritualidade por parte da organização (50%); Crenças diferentes entre enfermeiros e pessoa doente (10%).
Se por um lado existe o reconhecimento dos enfermeiros da importância do cuidar espiritual, por outro lado também existe uma ambiguidade na compreensão das funções destes profissionais de saúde a esse respeito e do que vai para além das suas funções27. Assiste-se a uma tendência de delegar o cuidar espiritual para o líder religioso14,20, o que é corroborado por outras pesquisas28-30. Destacam-se algumas situações em que os enfermeiros pedem colaboração a outros profissionais por não terem habilidade para lidar com assuntos espirituais14-15 como assistente social14 ou, ainda, haver dificuldade em identificar o profissional mais competente para responder a essas questões16. No estudo de Lukovsky et. al20, 22% dos enfermeiros referiram que seria o capelão o principal prestador de cuidados espirituais, enquanto os restantes consideraram que deveria ser prestado por toda a equipa. Este último resultado vai ao encontro dos resultados de um estudo, que foi realizado com objetivo de conhecer a perceção dos profissionais de saúde em relação ao cuidado espiritual, tendo se constatando que estes consideram necessária a implicação de toda a equipa para deteção das necessidades espirituais e/ou religiosas25. De facto, a colaboração entre enfermeiros e capelães é essencial para fornecer apoio espiritual nas instituições de saúde31 e há dificuldade em prestar apoio espiritual na ausência de capelão no seio das equipas32. Sem dúvida, que o serviço de apoio espiritual e religioso constitui-se num elo da equipa multidisciplinar que assegura a atenção integral33 da pessoa com doença incurável e/ou grave, progressiva e avançada e melhora a qualidade assistencial33.
A dificuldade relativa à falta de formação foi a mais vincada nos resultados desta scoping review 8,14-20. O cuidar espiritual foi descrito como algo difícil14-16,18. De facto é vasta a literatura que nos remete para a falta de formação como uma barreira decisiva e impeditiva dos enfermeiros fornecerem cuidados espirituais18,20-21,26,34-37.
Em contrapartida, no estudo de Lukovsky et. al20, a grande maioria dos inquiridos (91,6%) considerou que os enfermeiros receberam instrução e formação suficientes sobre questões relativas aos cuidados espirituais e 64,9% responderam que são capazes de satisfazer as necessidades espirituais da pessoa doente. Estes resultados demonstram que os enfermeiros que têm formação em assuntos espirituais estão mais confortáveis dentro do domínio espiritual. Igualmente Zumstein-Shaha, Ferrell e Economou16, verificaram que os enfermeiros que apresentavam formação em cuidados espirituais realizavam cuidados espirituais com mais regularidade e Kang et. al18, constataram que os enfermeiros com mestrado eram mais competentes em cuidados espirituais. Através destes resultados podemos atestar que a falta de formação é a principal causa das dificuldades na integração dos cuidados espirituais como resposta às necessidades da pessoa em situação paliativa. No entanto, estas barreiras podem ser ultrapassadas pelos profissionais de saúde à medida que apostam na vertente formativa21,34-36. Apesar da falta de formação ser uma realidade evidenciada nesta scoping review8,14-20, é relatada também a vontade dos enfermeiros quererem investir na formação em espiritualidade8. No mesmo sentido, o estudo de Farahani et. al37 e de Silvermann et. al38 demonstram situações semelhantes. O de Farahani et. al37 refere que 75% dos enfermeiros estavam dispostos a participar em cursos de formação sobre cuidado espiritual e o de Silbermann et. al38 que 68% dos participantes manifestaram interesse em evoluir do ponto de vista formativo relativamente a esta temática. Assim, é urgente a integração da espiritualidade nos currículos de enfermagem8,14-20,39, o que demonstra a importância e o reconhecimento da espiritualidade como dimensão humana a não descurar nos cuidados de enfermagem dirigidos à pessoa em situação paliativa.
No estudo de Walker e Breitsameter17 transparece a dificuldade em cuidar de pessoas com doença incurável e/ou grave, progressiva e avançada com religiões diferentes da religião do enfermeiro, pelo que a diversidade cultural pode ser encarada como uma limitação para a prestação do cuidar espiritual40. Deste modo, a formação acerca das várias culturas e religiões potencia a intervenção na dimensão da espiritualidade41. Por outro lado, a confusão de conceitos entre religião e espiritualidade também pode estar no cerne desta limitação21,42, pelo que o cuidar espiritual da pessoa com doença incurável e/ou grave, progressiva e avançada pode ser influenciada pela própria espiritualidade do enfermeiro e pela formação sobre as diferenças religiosas, culturais e espirituais43. Mais uma vez se conclui que a formação é uma pedra basilar na capacitação dos enfermeiros para o cuidar espiritual. Porém, não suficiente17.
De acordo com os nossos resultados, os enfermeiros manifestam que lhes é difícil fornecer cuidados espirituais às pessoas com doença incurável e/ou grave, progressiva e avançada, pois eles próprios não são capazes de refletir suficientemente sobre a sua espiritualidade18. Os resultados obtidos vão ao encontro de diversos estudos44, que revelaram que quanto mais avançada for a saúde espiritual dos enfermeiros, melhor será a sua atitude em relação ao cuidar espiritual. Assim, a disposição para o enfermeiro prestar cuidados espirituais é influenciada pelo seu autoconhecimento espiritual e os que se preocupam com os seus aspetos espirituais prestam melhores cuidados espirituais45. Parece que uma maior consciência do “eu” espiritual possa ser um passo fundamental para os enfermeiros se interessarem pelas questões espirituais e ter mais competência para intervenção na dimensão da espiritualidade.
Outra dificuldade para o cuidar espiritual em CP prende-se com a falta de tempo, sendo referido em vários estudos desta scoping review8,12,15-18. Num estudo de Farahani et. al37 realizado no Irão com o objetivo de examinar as barreiras para a implementação do cuidar espiritual, o fator impeditivo com score mais alto consistia na falta de tempo. Nesse mesmo estudo, a falta de tempo é justificada pela escassez de enfermeiros no Irão, afetando a qualidade no atendimento, pelo que se cingem aos cuidados ditos essenciais37. Nos resultados dos estudos da scoping review foram conferidas situações semelhantes, em que as práticas espirituais não eram incentivadas pelos rácios enfermeiro-pessoa doente elevados15,18, pela falta de tempo para conversarem com a pessoa doente sobre estas questões16, por terem que dar resposta a outras intervenções que são esperadas da classe de enfermagem8 e pelo tempo ser despendido em aspetos mais práticos17. Outros autores corroboram que a falta de tempo constitui uma dificuldade no cuidar espiritual34-35,46-47.
Também a falta de confiança em abordar a dimensão da espiritualidade por parte dos enfermeiros emergiu da análise de estudos selecionados12,14,16. No estudo de Viftrup et. al12 e de Siler et. al14, os enfermeiros sentiam-se mais confortáveis em cuidar dos aspetos físicos, assim como na investigação de Zumstein-Shaha, Ferrell e Economou16 que se constatou falta de confiança em cuidar dos aspetos espirituais. Surgiram, ainda, termos como “hesitações” e “inseguranças” na abordagem de questões espirituais12, termos estes que denunciam desconforto e pouco à vontade na realização desta intervenção. Percebe-se que esta falta de confiança dos enfermeiros no cuidar espiritual está relacionada com a falta de formação, uma vez que os estudos supracitados que abordam esta dificuldade12,14,16 também têm subjacente e como resultados, a necessidade de evoluírem do ponto de vista formativo. A falta de confiança dos enfermeiros em abordar estas questões também foi detetada num estudo de Christensen e Turner28 e foi decorrente destes profissionais considerarem que a esfera espiritual seria um assunto privado, o que também é abordado por outras pesquisas 16,37,40,47.
Da mesma forma que a falta de confiança interfere na prestação de cuidados espirituais, também o próprio sistema de crenças do enfermeiro pode ter implicações a este nível, podendo levar a situações de evitamento por parte do profissional13,16. As atitudes dos enfermeiros em relação à finitude da vida também podem estar relacionadas com sentimentos de tristeza, frustração e evitamento, através do referido pelos participantes do estudo de Fay e Oboyle13. Neste mesmo estudo13, dois enfermeiros admitiram o desejo de se afastarem das pessoas doentes como método de autoproteção. Este evitamento por parte dos profissionais em prestar cuidados espirituais à pessoa doente em fim de vida é corroborado por outros autores48-49, sendo situações geradoras de sentimentos de impotência e de fracasso devido à inevitabilidade da morte e de distanciamento50.
O estudo de Kudubes et. al39, demonstrou uma correlação negativa entre o comportamento de fuga e as perceções dos enfermeiros sobre o cuidado espiritual. Também os estudos de Zyga et. al51 e Cevik e Kav52 chegaram aos mesmos resultados. Assim, de modo a haver mudanças positivas na atitude dos enfermeiros em relação à morte e à perceção do cuidado espiritual, torna-se importante a existência de programas de formação39.
A referenciação tardia para os CP como limitador para o cuidar espiritual também foi identificada pelos estudos de Viftrup et. al12 e de Walker e Breitsameter17. Verificou-se, nestes mesmos estudos12,17, que as pessoas doentes morriam antes dos enfermeiros terem tempo de os conhecerem suficientemente para atenderem às necessidades espirituais. O estabelecimento de uma relação terapêutica e empática facilita a compreensão destas mesmas necessidades espirituais53.
Por último, as lacunas a nível organizacional e institucional foram identificadas como obstáculos ao cuidar espiritual em CP. No estudo de Zumstein-Shaha, Ferrell e Economou29 identificaram-se relatos de que a espiritualidade nunca é abordada e que nem a religião nem a espiritualidade eram consideradas questões importantes dentro das instituições, não estando integrada nas “rotinas” de trabalho19. No estudo de Walker e Breitsameter30, quando questionados de quanta importância é atribuída à espiritualidade na prática diária dos cuidados hospitalares, os enfermeiros relataram que não têm o valor que se poderia esperar e que o tempo é gasto em intervir em aspetos relacionados com a dimensão física30. Desta forma, a falta de sensibilidade institucional acaba por interferir na prestação de cuidados espirituais34, pelo que os CP devem-se configurar numa abordagem regulada pela humanização e solidariedade por parte de quem os presta92.
Na presente scoping review identificamos algumas limitações, como a inclusão apenas de estudos publicados em português, espanhol e inglês. Assim, estudos publicados noutros idiomas também poderiam ter fornecido dados importantes. Também, caso tivéssemos acesso a outros estudos para além dos de acesso integral, poderíamos ter alcançado outras dificuldades por parte dos enfermeiros em abordar a espiritualidade em contexto de CP.
CONCLUSÃO
O cuidar da pessoa com doença incurável e/ou grave, progressiva e avançada cria um ambiente altamente complexo nos serviços de saúde e requer profissionais com competência para lidar com a multidimensionalidade das necessidades da pessoa doente e suas famílias, entre as quais, as necessidades espirituais. Os principais motivos para os profissionais de enfermagem não darem resposta às necessidades espirituais da pessoa em situação paliativa prende-se, essencialmente, com a falta de formação. Soma-se a falta de confiança, a referenciação tardia para os serviços de CP, o evitamento por parte do enfermeiro em prestar cuidados espirituais, a falta de tempo, a espiritualidade dos enfermeiros pouco desenvolvida a falta de reconhecimento da organização da importância dos cuidados espirituais e as crenças diferentes entre enfermeiros e pessoa doente.
Em síntese, verifica-se a existência de várias dificuldades sentidas pelos enfermeiros no cuidar espiritual em CP, as quais gravitam à volta de 3 eixos: défices na formação, défices organizacionais e défices pessoais na forma de lidar com esta dimensão do cuidar.
É cada vez mais evidente a importância de sensibilizar os profissionais de saúde, em geral e dos enfermeiros em particular, para a relevância do cuidar espiritual em CP.
Neste sentido, é fundamental a existência de uma aposta mais consolidada no desenvolvimento de competências de um cuidar espiritual por parte, quer as instituições de ensino superior, quer as instituições de saúde, integrando esta dimensão do cuidar nos seus planos de estudos e na sua praxis respetivamente, possibilitando, desta forma, cuidados à pessoa em situação paliativa mais completos, éticos e humanos.
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