HUMANIZAÇÃO COMO TEMA DE ENSINO EM UM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
HUMANIZAÇÃO COMO TEMA DE ENSINO EM UM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
HUMANIZATION AS A TEACHING TOPIC IN A GRADUATE PROGRAM: AN EXPERIENCE REPORT
LA HUMANIZACIÓN COMO TEMA DOCENTE EM UM POSTGRADO: UM REPORTE DE EXPERIENCIA
AUTORES
Letícia Volpe Rezende - Especialista em Unidade de Terapia Intensiva. Universidade Federal do Triângulo Mineiro; Enfermeira. Especialista em UTI. UniversidadeFederal do Triângulo Mineiro. ORCID: 0000-002-5140-4959
Júnia Lanny Sousa Silva - Enfermeira. Especialista em Atenção à Saúde da Criança. Universidade Federal do Triângulo Mineiro. ORCID: 0000-0002-5223-8147
Ana Luisa da Cruz Franciscon - Enfermeira. Universidade Federal do Triângulo Mineiro. ORCID: 0000-0002-1105-1490
Raysa Cristina Dias de Moura - Enfermeira. Especialista em Urgência e Trauma. Universidade Federal do Triângulo Mineiro. ORCID: 0000-0002-5417-9179
Gabriela Perdigão Fernandes - Enfermeira. Especialista em Urgência e Trauma. Universidade Federal do Triângulo Mineiro. ORCID: 0000-0002-8594-7556
Ana Paula de Souza Martins Lemos - Enfermeira. Especialista em Saúde Materno-Infantil. Universidade Federal do Triângulo Mineiro. ORCID: 0009-0000-6813-8207
Raquel Pan - Enfermeira. Especialista em Enfermagem em Oncologia. Doutora em Ciências. Professora
Adjunta II do Instituto de Ciências da Saúde. Universidade Federal do Triângulo Mineiro. ORCID: 0000-0003-1312-3889
RESUMO
Objetivo: relatar a experiência vivenciada por enfermeiras mestrandas e docente de disciplina eletiva de universidade pública do interior de Minas Gerais. Método: estudo descritivo, do tipo relato de experiência, a fim de relatar reflexões críticas acerca da Política Nacional de Humanização (PNH) realizadas em disciplina de Programa de Pós-graduação stricto sensu ministrada entre agosto e novembro de 2023. Resultados: participaram sete enfermeiras, todas do sexo feminino, com vivências em instituições de saúde públicas e privadas. Foi possível compreender sobre diversos aspectos, e duas categorias foram elaboradas: Repercussões e entraves referentes à implantação plena da PNH; Humanização e ensino teórico-prático nas instituições formadoras. Também foi produzido um mapa mental sobre a temática. Conclusão: destaca-se a importância de discutir sobre humanização nas instituições de ensino para o aprofundamento do tema e disseminação do conhecimento associado ao olhar prático humanizado.
DESCRITORES: Humanização da Assistência. Sistema Único de Saúde. Enfermagem. Programas de Pós-graduação em Saúde. Transferência de experiência.
ABSTRACT
Objective: to report on the experience of master's degree nurses and a lecturer in an elective course at a public university in the interior of Minas Gerais. Method: this is a descriptive, experience-report type study, aimed at reporting critical reflections on the National Humanization Policy (NHP) carried out in a stricto sensu postgraduate program course taught between August and November 2023. Results: Seven nurses took part, all female, with experience in public and private health institutions. It was possible to understand various aspects, and two categories were created: Repercussions and obstacles regarding the full implementation of the PNH; Humanization and theoretical-practical teaching in training institutions. A mind map on the subject was also produced. Conclusion: The importance of discussing humanization in educational institutions is highlighted in order to deepen the subject and disseminate knowledge associated with a practical humanized approach.
DESCRIPTORS: Humanization of Care. Unified Health System. Nursing. Postgraduate Programs in Health. Transfer of experience.
RESUMEN
Objetivo: relatar la experiencia de enfermeros de maestría y de un profesor en un curso electivo de una universidad pública del interior de Minas Gerais. Método: se trata de un estudio descriptivo, de tipo experiencia-informe, con el objetivo de relatar reflexiones críticas sobre la Política Nacional de Humanización (PNH) realizadas en una asignatura del programa de posgrado stricto sensu impartida entre agosto y noviembre de 2023. Resultados: Participaron siete enfermeras, todas del sexo femenino, con experiencia en instituciones de salud públicas y privadas. Se pudieron conocer diversos aspectos y se desarrollaron dos categorías: repercusiones y obstáculos en la plena implantación de la PNH; humanización y enseñanza teórico-práctica en las instituciones de formación. También se elaboró un mapa mental sobre el tema. Conclusión: Se destaca la importancia de discutir la humanización en las instituciones de enseñanza para profundizar el tema y difundir el conocimiento asociado a un abordaje humanizado práctico.
DESCRIPTORES: Humanización del Cuidado. Sistema Único de Salud. Enfermería. Programas de Postgrado en Salud. Transferencia de experiencia.
RECEBIDO: 08/03/2024 APROVADO:25/03/2024
TIPO DE ARTIGO: Relato de Experiência
INTRODUÇÃO
Considerado como o maior programa de saúde pública do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado de forma gradual, originário do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, que aconteceu no início da década de 70, que teve entre outras reivindicações, a melhoria das condições de vida da população e a democratização da saúde¹.
Os debates e a indignação expressos pela sociedade frente às desigualdades e à mercantilização da saúde culminaram na 8ª Conferência Nacional de Saúde, considerada um marco na história das políticas públicas brasileiras, cujas propostas foram oficializadas com a promulgação da Constituição Federal em 1988 e regulamentada com as leis orgânicas da saúde1,2.
Defronte aos entraves políticos, econômicos, éticos e organizacionais do sistema de saúde presente no contexto brasileiro, surgiu a necessidade de discussão sobre a humanização e a qualidade da atenção à saúde no tocante à disponibilização de recursos, tecnologias e conhecimento dos sujeitos e populações, a fim de reduzir seus sofrimentos3.
Diante deste contexto, em 2003, foi instituída pelo Ministério da Saúde (MS) a Política Nacional de Humanização (PNH) para qualificar a saúde pública brasileira e incentivar as trocas solidárias entre os gestores, trabalhadores e usuários com a efetivação dos princípios norteadores do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão em saúde. A PNH remodela as ações de gestão em saúde e o cuidado pautados na integralidade, universalidade e equidade4,5.
A atenção humanizada se configura como a oferta de melhor qualidade no atendimento através do acolhimento e respeito às necessidades e aos direitos dos usuários, visando a criação de relações mútuas de confiança, resolutividade e compromisso entre os profissionais, os usuários e a gestão5.
A PNH também investe em processos de subjetivação dos diferentes dos atores da saúde; descontrói os processos instituídos por meio do método da tríplice inclusão através de dispositivos instituintes e horizontalizados da atenção e gestão em saúde, afastando assim, a política hospitalocêntrica e a racionalidade médico-centrada6.
Tendo em vista as estratégias gerais e os eixos de atuação propostos pelo MS para fortalecer e disseminar a PNH pela sociedade, destaca-se o eixo da educação. Nele é orientado que a política seja inserida através de conteúdos e/ou como componentes curriculares nos cursos da saúde ofertados por instituições formadoras, incluindo nos cursos de graduação e de pós-graduação7.
Diante disso, o estudo tem como objetivo relatar a experiência vivenciada por enfermeiras mestrandas e docente de uma disciplina eletiva sobre Processos de Humanização em Saúde de Programa de Pós-graduação stricto sensu de uma universidade pública do interior de Minas Gerais.
MÉTODO
Estudo descritivo, do tipo relato de experiência, a fim de relatar reflexões críticas produzidas por um grupo de enfermeiras mestrandas de um programa de Pós-Graduação strictu sensu com a professora responsável por uma disciplina eletiva ofertada.
As discussões ocorreram de forma presencial e semanalmente, durante o período de agosto a novembro de 2023. Os encontros contavam com uma duração de três horas e abordavam pautas relevantes para ética profissional em enfermagem e principais avanços e entraves da PNH no SUS e tendo a mesma como destaque no âmbito dos diferentes níveis de atenção à saúde.
Na primeira aula, foi abordada a percepção individual sobre as experiências em Humanização em Saúde, além de apresentações dos indivíduos e do Plano de Ensino.
No segundo e terceiro encontros, o grupo necessitou de conhecimento prévio de quatro artigos científicos, os quais foram discutidos e elucidados por meio de vídeos de grandes nomes da atualidade, Mario Sergio Cortella e Patch Adams, acerca das temáticas da ética, humanização de forma geral e humanização em pediatria. Ocorreram vários relatos de experiências e reflexões críticas sobre a falta de ética profissional e a importância do conceito real de humanização na prática profissional no âmbito da atenção primária, secundária, terciária e internacional em saúde.
Nos encontros seguintes, a temática foi a PNH e foi utilizada como ferramenta de aprendizado a leitura em conjunto da mesma e a produção de um mapa mental com palavras-chaves. Ao fim, ouve debate referente aos avanços decorrentes da implementação da política e os entraves que ainda devem ser superados pelo SUS. Também foi assistida a palestra do professor Eduardo Passos, disponível em plataforma on-line.
A disciplina também contou com uma aula conduzida por uma convidada que abordou o processo de humanização na Atenção Básica em Saúde, destacando a concepção dos funcionários e usuários sobre o tema, os avanços e entraves da assistência humanizada e a complexidade que envolve a porta de entrada do SUS.
Profissional responsável por Grupo de Humanização de hospital público de ensino foi convidada para falar sobre a humanização, formação e experiência profissional.
Por fim, todas as discussões ocorreram de forma dinâmica, através de recursos didáticos e estratégias ativas de ensino, como roda de conversa, leituras e discussões de artigos, vídeos e documentários.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram do estudo sete enfermeiras, sendo seis discentes pós-graduandas e uma docente responsável pela disciplina Processo de Humanização na Atenção à Saúde. Todas do sexo feminino e formadas em enfermagem, com idade entre 24 e 37 anos. Segundo pesquisa do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), a equipe de enfermagem é em sua maioria feminina, sendo constituída por 84,6% mulheres8.
A troca de conhecimento sobre a PNH e referente à humanização ocorreu de forma ampla e diversificada, visto que, dentre as participantes, haviam enfermeiras com vivência em instituições de serviços público de saúde e de enfermeiras que já haviam atuado também em serviço de saúde da rede privada.
Mediante os recursos utilizados e das discussões geradas, foi possível compreender e refletir sobre diversos aspectos relacionado à Humanização e PNH. Sendo elaboradas duas categorias, a saber: Repercussões e entraves referentes à implantação plena da PNH; Humanização e ensino teórico-prático nas instituições formadoras.
Com relação às repercussões da política, as discussões permitiram uma visão positiva das mudanças que já aconteceram, os profissionais se mostram mais interessados no tema, a gestão busca meios para que o atendimento e a ambiência sejam melhores e os usuários passaram a conhecer melhor seus direitos e deveres com relação ao seu cuidado. A PNH representa uma política pública destinada a incluir e assegurar a participação e inter-relação entre os usuários, trabalhadores e gestão em saúde, a fim de contribuir com a construção do processo de cuidado e na execução do trabalho e de boas práticas, promovendo a assistência digna não centrada, unicamente, no modelo biomédico, mas também, na educação e prevenção de agravos à saúde física, mental e social5.
Referente aos entraves e motivos da dificuldade da implantação da PNH, foi possível compreender sobre a relação existente entre o verdadeiro propósito da política e o que ela representa e como ela realmente é compreendida e visualizada na prática. Nesse sentido, foi possível verificar o quanto essa relação tem repercussão direta na assistência profissional integral, visto que, quando se trata da PNH e da integralidade do cuidado, compreender que a integração entre gestores, profissionais e usuários se faz necessária (BRASIL, 2010)7.
Nessa perspectiva, os diálogos motivados pela leitura conjunta de artigos e manuais sobre o tema giraram em torno de como a humanização e a política, apesar de terem em sua teoria conceitos bem definidos, na prática, por vezes, tem seus conceitos e propósitos reduzidos para apenas alguns aspectos da PNH. Da mesma forma, um estudo brasileiro que pesquisou sobre o entendimento de profissionais da saúde referente à política, identificou que dentre os participantes ainda se tinha uma visão diminuída referente ao significado da humanização e a relevância da sua implementação na prática9.
As discussões levaram a visões básicas e talvez insuficientes da formação dos profissionais de saúde sobre a humanização. O tema é abordado nas disciplinas da graduação, mas apenas de forma teórica, com exceção de algumas disciplinas, como por exemplo a própria enfermagem e áreas da saúde da criança.
Referente a humanização e o ensino nas instituições formadoras, os diálogos da disciplina contribuíram para ampliação do conhecimento sobre a relevância de ser trabalhada nas instituições de ensino. É preciso discutir sobre humanização e ensinar sobre todos os aspectos que envolvem a temática como política pública, que necessita de ações coletivas para transformar a realidade7,10.
Dessa forma, ensinar sobre todos os aspectos relacionados a humanização, vai além de possibilitar aprimoramento do conhecimento dos profissionais, pois, à medida em que isso acontece é possível trabalhar além da capacidade técnica, as competências humanas para tratar o outro enquanto pessoa que tem autonomia e considerá-lo como ser que é protagonista da própria vida10.
A disciplina também permitiu compreender que é necessário que os usuários, os profissionais e gestores assimilem a importância da participação de todos no processo de criação da assistência, um cuidado que deve ser integral, individual, personalizado e com embasamento científico. A PNH tem o intuito de incentivar as trocas solidárias entre os envolvidos, com a efetivação dos princípios norteadores do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão em saúde4.
É uma política que prega “a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde”, buscando melhoria na qualidade da assistência ofertada pelo profissional e desafia os sujeitos a experimentar a incorporação de métodos para produzir novos modos de cuidar e tratar os usuários de forma humanizada. Abrange o processo integral de trabalho em saúde pautado na tríplice de incorporação de indivíduos já apresentada9,11.
Além disso, as discussões realçaram a presença constante da enfermagem no cuidado e sua visão humanizada desde a formação. O sentido de servir e zelar que embasaram a história dessa área da saúde ainda se fazem presentes, agora aliados ao saber e fazer científico. Assim, os profissionais da enfermagem são importantes implementadores da PNH. A literatura também ressalta que a humanização sempre permeou a atuação da enfermagem e que os mesmos desempenham função primordial sobre a temática nos serviços de saúde entendendo o ser humano integral e não apenas o paciente,12.
Na prática, é perceptível que a humanização na saúde se torna muito rasa quando ela se limita a prestar um bom atendimento e ao mesmo tempo é incumbida somente aos profissionais de enfermagem. Isso também se dá por uma questão histórica, onde os cuidados às pessoas doentes eram realizados por religiosos, em sua maioria mulheres e que o ato de cuidar era um ato de doação13.
Por fim, como mais uma estratégia didática, foi produzido um mapa mental em sala de aula (figura 1), que representou um recurso atrativo, dinâmico e interativo para trabalhar a PNH, reforçar os conteúdos estudados e fortalecer o aprendizado.
Figura 1. Mapa Mental sobre a Política Nacional de Humanização (PNH). Dos autores, Uberaba-MG, Brasil, 2023.
CONCLUSÃO
A participação na disciplina se constituiu como uma oportunidade para discutir e refletir, bem como para analisar a PNH e diversos outros tópicos relacionados à temática.
A humanização não se limita ao ato de tratar com respeito o paciente, é uma ação complexa que inclui desde o ambiente acolhedor e com condições para um bom atendimento, embasado em conhecimento técnico-científico, o cuidado em si e todo o processo de gestão dos setores da saúde. Está presente no atendimento individual e também na visão do coletivo defendida e disseminada pelo SUS.
O modelo de ensino tradicional baseado na visão biomédica dificulta um ensino humanizado, visto que, o foco curativo e, muitas vezes, fragmentado pode fazer com que os novos profissionais reproduzam na prática, o modelo de ensino aprendido comprometendo, dessa forma, a integralidade do cuidado destacada na PNH.
Nesse sentido, destaca-se a importância da enfermagem no cuidado e na visão integral da saúde e dos pacientes, visto que desde a sua origem é a profissão que se mantém mais próxima dos clientes e familiares no processo de saúde e doença. Sendo então, esses profissionais, importantes propagadores e aplicadores da humanização e da PNH.
É preciso discutir sobre humanização e ensinar a humanizar para que a visão de todos possa se ampliar e o cuidado integral passar a ser parte dos usuários, profissionais e gestores. Isso evidência a importância de disciplinas específicas como esta e de programas de Pós-Graduação para o aprofundamento no tema e disseminação de conhecimento.
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