ENTREVISTA

Enfermagem inaugura nova etapa no Brasil

Vai começar uma nova etapa para a maior força de trabalho da saúde no Brasil.

Diante de um cenário desafiador, uma nova gestão acaba de assumir o comando do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), que é a instância máxima da categoria, responsável por orientar, normatizar e fiscalizar o exercício da profissão em todo o território nacional. Nesta entrevista, o presidente eleito Manoel Neri fala sobre as prioridades, programas e projetos que pretende desenvolver e sobre as frentes de batalha que vai encampar para defender a autonomia, a independência e o desenvolvimento profissional. Confira!

Qual é a sensação de ser eleito presidente do Cofen?

É uma emoção única, marcada pelo sentimento de extrema responsabilidade. Faltam palavras para descrever a honra de exercer a presidência da instância máxima da profissão que escolhi exercer. Sinto-me plenamente preparado para trabalhar junto com meus pares para realizar uma gestão de resultados expressivos para o avanço da Enfermagem. Sinceramente, acredito que a nossa eleição representa a melhor escolha para a categoria, tanto pelo que já realizamos, quanto pelo que ainda somos capazes de fazer daqui para frente. Ao longo de minha trajetória profissional, sempre acreditei no papel fundamental do Cofen como guardião dos valores e princípios que fundamentam a nossa profissão. No ofício do cuidado, aprendi o ofício da luta e hoje estamos aqui, colhendo os frutos do nosso plantio, vendo germinar a semente da esperança que depositamos em nossa união para o avanço da nossa profissão.

Qual é a plataforma da nova gestão?

Em nosso programa de gestão, temos 38 projetos, programas e ações divididas em cinco eixos temáticos: fiscalização, fortalecimento da profissão, ensino e pesquisa, processos éticos e apoio institucional, técnico e financeiro aos Conselhos Regionais de Enfermagem. É um compromisso público, que vamos cumprir à risca até 2027.

Vamos realizar investimentos estruturais para otimizar as atividades finalísticas da nossa organização e melhorar a prestação de serviços que são oferecidos à sociedade, especialmente aqueles vinculados à fiscalização e ao atendimento da categoria. Além de cumprir o nosso programa estratégico, vamos trabalhar incansavelmente pela implantação plena do Piso Nacional da Enfermagem, pelo avanço das discussões sobre a jornada de 30 horas semanais, pela consolidação do direito ao descanso digno e pelo desenvolvimento das Práticas Avançadas de Enfermagem (PAE), que serão o nosso passaporte para o futuro. 

Como é o processo eleitoral do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem?

É um processo eleitoral amplo, justo e democrático, que obedece ao que manda a Lei 5.905/1973 e o Regimento Eleitoral do Cofen. Atualmente, todos os profissionais podem participar, por meio de uma plataforma digital, com tecnologia de última geração, que oferece toda a funcionalidade necessária para o exercício do voto com segurança. Nas últimas eleições, de 1.262.118 Profissionais de Enfermagem habilitados a votar, 806.006 foram às urnas. Os membros da categoria elegeram diretamente as Conselheiras e os Conselheiros dos 27 Conselhos Regionais de Enfermagem (Coren), que por sua vez indicaram os 27 Delegados Regionais que elegeram as 18 Conselheiras e Conselheiros do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).

O senhor considera esse modelo democrático?

Sim. É um sistema seguro, legítimo e constitucional, capaz de representar e expressar a vontade da maioria. É um processo eleitoral parecido com o modelo praticado nos EUA e em outras grandes Democracias do mundo, onde os cidadãos elegem os delegados regionais, que por sua vez votam no Colégio Eleitoral que escolhe o Presidente da República. No caso do Cofen, após a eleição das 18 Conselheiras e Conselheiros Federais pelos 27 Delegados Regionais no Colégio Eleitoral, o Plenário do Cofen elege os 2 secretários, os 2 tesoureiros e o presidente que vão compor a diretoria executiva da instituição.

Qual o indicie de renovação do plenário do Cofen?

Comparativamente, das eleições 2021 para as de 2024, o índice de renovação do Plenário do Cofen é de 67%. Ou seja, dos 18 Conselheiros Federais eleitos neste último pleito, 12 são novos membros. São profissionais reconhecidos pela categoria, com trajetória ilibada e histórico de serviços prestados à profissão. O mandato começa em 23 de abril de 2024 e se encerra no dia 22 de abril de 2027

Por que o senhor decidiu ser enfermeiro?

Penso que, ao me tornar profissional de Enfermagem, encontrei um caminho para trilhar, construir e concretizar sonhos que pareciam impossíveis de alcançar. Ao começar a vivenciar a realidade dos profissionais que se dedicam a cuidar das pessoas enfermas, encontrei o significado dos valores fundamentais da Humanidade.

Entendi que atributos como o humanismo, a solidariedade, o profissionalismo, a coragem, a ética e a responsabilidade não são valores subjetivos, são características substantivas da natureza de uma profissão singular, que denominamos Enfermagem.

Não escolhi, fui escolhido pela vida para ter a honra de exercer um ofício tão nobre.

O senhor já foi presidente do Cofen. A que atribui sua recondução ao cargo?

Atribuo aos resultados que alcançamos. Temos credibilidade e a confiança da categoria justamente por que já mostramos o que somos capazes de fazer. Além de atuação marcante em momentos de crise, o nosso grupo político teve o condão modernizar a gestão administrativa do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de enfermagem, permitindo o avanço constante da fiscalização, a melhoria permanente estação de serviços públicos, a oferta de cursos e pós-graduações em larga a de forma gratuita, a realização dos maiores congressos e seminários da América Latina, entre outras realizações que representam um futuro cada vez mais auspicioso para a Enfermagem Brasileira.

Quais investimentos realizados neste período considera mais importante?

Mediante um planejamento estratégico eficiente, estruturamos os Conselhos de Enfermagem, por meio da aquisição de sedes, da implantação de infraestrutura tecnológica, da renovação da nossa frota de viaturas e da incorporação de recursos humanos que colocam a instituição sempre na fronteira da ciência e do conhecimento.

Com o suporte das nossas equipes de trabalho, regulamentamos as especialidades da profissão com rigor técnico e asseguramos o exercício das nossas prerrogativas e competências com autonomia, independência e excelentes perspectivas de futuro em todos os campos de atuação. São investimentos consistentes, que não admitem retrocessos.

O momento mais difícil de sua última gestão foi a pandemia da Covid-19. Como enfrentou esse período?

Foi a maior crise sanitária de nossa história. É uma ferida aberta para sempre, por conta de todas as perdas que tivemos. Diante daquele cenário avassalador, fizemos tudo o que estava ao alcance para dar suporte e amenizar a dor da categoria. Quando todos estavam literalmente desprotegidos na linha de frente, compramos e distribuímos mais de um milhão de máscaras N95 a quem estava na linha de frente e conseguimos salvar vidas. Criamos o Observatório de Enfermagem, para registrar e alertar a opinião pública sobre o número de adoecimentos e mortes entre os nossos profissionais. Aprovamos uma lei no Congresso Nacional, para garantir o direito de indenização aos dependentes daqueles que infelizmente perderam a vida ou ficaram inválidos. Sobretudo, procuramos enxergar os aspectos humanos dos processos de trabalho, para cuidar do nosso pessoal da melhor força possível. Enfim, trabalhamos duro para amenizar a situação caótica que enfrentamos.

Qual a dimensão e a importância da Enfermagem no Brasil?

Os dados nominais são impressionantes. Segundo dados do Cofen, existem 466.279 auxiliares, 737.409 enfermeiros e 1.794.376 técnicos de enfermagem legalmente habilitados no Brasil. Indiscutivelmente e sem demérito das demais categorias profissionais, trata-se da maior força de trabalho em saúde, sem a qual não é possível abrir as unidades para realizar a assistência aos pacientes. As evidências indicam essa imprescindibilidade. Lamentavelmente, é fácil encontrar unidades de saúde funcionando sem médicos, nutricionistas, terapeutas, farmacêuticos e diversas outras necessidades de recursos humanos. Entretanto, nem na pior situação, é possível encontrar uma unidade de saúde funcionando sem profissionais de enfermagem. A categoria é a espinha dorsal do sistema, que o mantém em pé. A rigor, não existe saúde sem enfermagem. São os profissionais dessa categoria que estão na linha de frente da assistência. No jargão popular, pode-se dizer que são os trabalhadores que estão literalmente o tempo todo à beira do leito, administrando medicações, monitorando sinais vitais, conduzindo tratamentos e cuidando das necessidades mais elementares dos pacientes, desde a hora em que a pessoa nasce, até o momento em que ela morre.

Como o senhor percebe o processo de valorização da Enfermagem?

Não obstante a essencialidade da nossa profissão para o atendimento às necessidades de saúde da sociedade brasileira, a categoria ainda não é devidamente reconhecida e valorizada pelo relevante papel que desempenha. Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelam que a maioria dos profissionais trabalha sobrecarrega, recebe baixos salários, exerce jornadas excessivas e segue exposta a doenças psicológicas e ocupacionais graves, que poderiam ser evitadas. Uma evidência da desvalorização persistente é o fato de que, mesmo com a promulgação do Piso Nacional da Enfermagem, com previsão expressa na Constituição Federal, empregadores ainda se recusam a erradicar os salários miseráveis que afetam a categoria, principalmente no setor privado e nas cidades do interior.

O que pretende fazer diante dessa realidade?

Diante desse contexto, a nova gestão do Cofen assume disposta a mudar a realidade.

Afinal, não é mais possível conviver com situações degradantes de trabalho que são oferecidas à Enfermagem no Brasil. É necessário superar os estigmas que impedem o avanço da saúde pública e privada no país, para inaugurar um novo tempo marcado pela consolidação das diretrizes humanistas do Sistema Único de Saúde (SUS). A situação precisa e vai mudar, pois como se sabe, trata-se de uma questão civilizatória, com dimensões sociais de proporções continentais. Proativamente, o Cofen atuará em todos os espaços de poder para fazer valer o que diz a jurisprudência e as boas práticas a respeito dos salários, das jornadas de trabalho, do direito ao descanso digno, da autonomia e da independência atinentes ao exercício profissional.

Qual a situação da Enfermagem no mundo?

A necessidade de valorização da Enfermagem não é uma demanda exclusiva do Brasil, é um problema de escala global. No intercâmbio com as entidades profissionais de outros países, identificamos problemas muito parecidos com os que enfrentamos aqui. Portanto, existe um movimento mundial no sentido que estamos propondo. Assim, não haverá como fugir dessa força latente, que se expressa com cada vez mais eloquência. Na América Latina, existe a necessidade de formar aproximadamente 600 mil profissionais até 2030 e no mundo, essa demanda é de aproximadamente 5,7 milhões de novos profissionais até essa data. Evidentemente, para arregimentar essa força de trabalho, será indispensável valorizar essa categoria imprescindível. Do contrário, os jovens não vão se interessar em atender essa imensa demanda de mercado. Estamos literalmente correndo contra o relógio, para preservar os avanços iluministas conquistados pela civilização. Sem uma Enfermagem bem preparada, remunerada e respeitada, certamente sofreremos retrocessos irremediáveis no campo da saúde.

Para encerrar, poderia deixar uma mensagem final para a categoria?

Sejam perseverantes! Com espírito público, convido cada um de vocês a acreditarem, junto comigo, que somos capazes de realizar uma gestão com o propósito de mudar a vida das pessoas, principalmente daquelas que mais precisam do nosso trabalho. É o momento de olhar para a frente, esmerar com disposição e transformar a realidade da maior força de trabalho da saúde brasileira. É hora de construir uma Enfermagem forte, valorizada e sobretudo consciente de todo o seu potencial. Renovo o compromisso de dedicação, trabalho e luta incansável pela dignidade e valorização da Enfermagem. Vou dedicar meu tempo, experiência e conhecimento à construção de um projeto capaz de dar o protagonismo que a nossa profissão merece.

POR: Manoel Carlos Neri da Silva, Bacharel e licenciado em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), especialista em educação ambiental e desenvolvimento sustentável. Na vida universitária exerceu o cargo de Presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Docente da UNIR de 1997 a 2004, bem como da Faculdade São Lucas de 1999 a 2006. Laborou como Enfermeiro assistencial no Hospital/Pronto Socorro João Paulo II, no Hospital de Base Ary Pinheiro e na Secretaria Municipal de Saúde de Porto Velho, onde assumiu o cargo de Secretário Adjunto Municipal de Saúde. Presidente do Conselho Federal de Enfermagem.