PERCEPÇÕES E SIGNIFICADOS DE DOULAS NA ATENÇÃO OBSTÉTRICA E NEONATAL NO PROCESSO DE PARTURIÇÃO

PERCEPÇÕES E SIGNIFICADOS DE DOULAS NA ATENÇÃO OBSTÉTRICA E NEONATAL NO PROCESSO DE PARTURIÇÃO

PERCEPTIONS AND MEANINGS OF DOULAS IN OBSTETRIC AND NEONATAL CARE IN THE PARTURITION PROCESS

PERCEPCIONES Y SIGNIFICADOS DE LAS DOULAS EN LA ATENCIÓN OBSTÉTRICA Y NEONATAL EN EL PROCESO DEL PARTO

Autores

Letícia Volpe Rezende. Enfermeira. Especialista em UTI. Mestranda no Programa de Pós-graduação stricto sensu em Atenção à Saúde da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba/MG, Brasil. ORCID: 0000-002-5140-4959

Thiago Dias. Enfermeiro. Especialista em Urgência e Trauma. Enfermeiro no Hospital de Clínicas (UFTM-Ebserh). Mestrando no Programa de Pós-graduação stricto sensu em Atenção à Saúde da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba/MG, Brasil. ORCID: 0000-0003-4343-2287

Maria Paula Custódio Silva. Enfermeira. Especialista em Neonatologia. Enfermeira no Hospital de Clínicas (UFTM-Ebserh). Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Atenção à Saúde da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba/MG, Brasil. ORCID: 0000-0001-8694-1589

Mariana Torreglosa Ruiz. Enfermeira. Especialista em Enfermagem Obstétrica e Neonatal. Mestre em Enfermagem em Saúde Pública e Doutora em Ciências. Professora Adjunto IV do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) ORCID: 0000-0002-5199-7328

Jesislei Bonolo do Amaral Rocha. Enfermeira. Mestre em Enfermagem em Saúde Pública e Doutora em Atenção à Saúde. Professora Adjunto IV do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) ORCID: 0000-0002-0591-7972

Divanice Contim. Enfermeira. Especialista em Enfermagem e Obstetrícia. Mestre em Enfermagem e Doutora em Ciências. Professora Associada do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) ORCID: 0000-0001-5213-1465

RESUMO

Objetivo: Compreender percepções e significados de doulas na Atenção Obstétrica e Neonatal no processo de parturição. Método: Pesquisa qualitativa, descritiva, realizada entre outubro de 2021 a maio de 2022, com dez doulas. Utilizou-se a técnica de Snowball Sampling para composição amostral. Para coleta de dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, analisadas por meio da técnica de análise textual discursiva. Resultados: Emergiram quatro categorias: porque escolher atuar como doula; a doula como fonte de conhecimento e empoderamento feminino; o trabalho da doula para a garantia de uma assistência digna à mulher; e as barreiras impostas à atuação da doula pela equipe multiprofissional. Conclusão: A doula causa uma ruptura no universo obstétrico hegemônico, pois ao mesmo tempo que sua prática remete ao apoio entre mulheres no processo de parturição, a sua ascensão representa uma frente contra o modelo atual de saúde centrado na doença, no profissional de saúde, em intervenções e no hospital.

DESCRITORES: Doulas; Parto; Assistência integral à saúde; Empoderamento; Saúde da mulher.

ABSTRACT

Objective: Understand perceptions and meanings of doulas in Obstetric and Neonatal Care in the parturition process. Method: Qualitative, descriptive research, carried out between October 2021 and May 2022, with ten doulas. The Snowball Sampling technique was used for sample composition. Semi-structured interviews were used to collect data, analyzed using the discursive textual analysis technique. Results: Four categories emerged: why choose to work as a doula; the doula as a source of knowledge and female empowerment; the work of the doula to guarantee dignified assistance to women; and the barriers imposed on the doula's performance by the multidisciplinary team. Conclusion: The doula causes a rupture in the hegemonic obstetric universe, because at the same time that its practice refers to support among women in the parturition process, its rise represents a front against the current health model centered on the disease, on the health professional, in interventions and in the hospital.

DESCRIPTORS: Doulas; Parturition; Comprehensive Health Care; Empowerment; Women's Health.

RESUMEN

Objetivo: Comprender percepciones y significados de las doulas en Atención Obstétrica y Neonatal en el proceso del parto. Método: Investigación cualitativa, descriptiva, realizada entre octubre de 2021 y mayo de 2022, con diez doulas. Se utilizó la técnica de la bola de nieve. Muestreo para composición de muestras. Se utilizaron entrevistas para recopilar datos. semiestructurado, analizado mediante la técnica de análisis textual discursivo. Resultados: Surgieron cuatro categorías: por qué elegir trabajar como doula; la doula como fuente de conocimiento y empoderamiento femenino; el trabajo de la doula para garantía de asistencia digna a las mujeres; y las barreras impuestas al trabajo de la doula por el equipo multidisciplinario. Conclusión: La doula provoca una ruptura en el universo obstétrica hegemónica, porque al mismo tiempo que su práctica refiere al apoyo entre mujeres en proceso de parto, su ascenso representa un frente contra la modelo de salud actual centrado en la enfermedad, el profesional de la salud, las intervenciones y en el hospital.

DESCRIPTORES: Doulas; Parto; Atención Integral de Salud; Empoderamiento; Salud de la Mujer.

Recebido: 08/07/2024 Aprovado: 16/07/2024

Tipo de artigo: Artigo Qualitativo

INTRODUÇÃO

A partir do século XIX a assistência ao parto passou a ser medicalizada e realizada em ambiente hospitalar, a institucionalização do parto teve papel determinante no afastamento da família e da rede social da gestante do processo do nascimento1,2. O modelo assistencial do parto passa a ser biomédico e hospitalocêntrico3

No sentido de repensar o modelo de parto vigente no Brasil, busca-se resgatar elementos da lei promulgada pelo Ministério da Saúde que garante como direito das mulheres um acompanhante de sua escolha durante o processo de parturição, e também a Política Nacional de Humanização (PNH) e assim inserir o trabalho das doulas na assistência à mulher, nascimento e puerpério4. Neste sentido, o Ministério da Saúde por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) incluiu as doulas como profissionais para atuar de forma alternativa no processo de parturição5,6,7.

A palavra “doula” tem origem grega e significa “mulher que serve”1. Historicamente, foi usada para descrever a pessoa que oferta suporte emocional à mulher intraparto, com treinamento específico sobre fisiologia do parto normal, métodos não farmacológicos para alívio da dor, cuidados pós-natais e aleitamento materno1,2. Na atualidade, sua atuação vem adquirindo uma vertente mais técnica, ancorada em saberes biomédicos e orientada pela humanização obstétrica1,2,5.

Sobre a presença de doulas nos serviços de saúde, registra-se que alguns estados e municípios da federação possuem legislações específicas sobre essa atuação5,6,7. Vale registrar que a função da doula foi reconhecida na Classificação Brasileira de Ocupações em 2013, recebendo um título ocupacional que formaliza e legitimiza seu papel no contexto da assistência do pré-natal ao puerpério, definindo os requisitos mínimo de atuação8.

Pesquisas indicam que a presença da doula possibilita a diminuição do índice de intercorrências perinatais, destacando a redução da ansiedade da mulher no momento do parto, promoção do vínculo mãe e filho e redução de desfechos perinatais negativos9

No entanto, observa-se que a inserção de doulas tem ocorrido de forma lenta, confrontando o modelo obstétrico tradicional por diferentes paradigmas assistenciais. Estudos dessa natureza são importantes para compreender de forma ampla percepções e significados da doulagem na atenção obstétrica e neonatal, inserindo as motivações para desempenhar tal função, conflitos e potencialidades geradas no cenário em questão. Neste sentido o estudo objetivou compreender as percepções e significados de doulas na Atenção Obstétrica e Neonatal durante todo processo de parturição.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo fundamentada pelos itens propostos pelo Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ)10 cujo objeto de investigação são as percepções e significados expressados por doulas no contexto do processo de parturição. O estudo foi desenvolvido em um município de médio porte no interior Minas Gerais, com população estimada em 2021, de 337.092 habitantes e média de 300 partos por mês11. 

Para definir a população do estudo utilizou-se a técnica bola de neve (snowball), adaptada para o uso em redes sociais virtuais para coletar dados12. Essa técnica favorece a cadeia significativa de indicações de participantes, com a finalidade de obter uma amostra não probabilística, visando alcançar o ponto de saturação13. Desse modo a primeira doula contatada indicou a segunda e assim sucessivamente para dar continuidade à amostra. Nessa etapa foram indicadas 16 doulas, e dessas, dez aceitaram participar da pesquisa. Utilizou-se como critério de elegibilidade doulas cadastradas junto a Secretaria Municipal de Saúde e atuantes na função nos últimos seis meses precedentes a coleta. 

A coleta de dados foi realizada no período de outubro de 2021 a maio de 2022. As participantes foram contatadas por meio do Whatsapp® para envio do convite com a apresentação dos objetivos do estudo e link para Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por meio do Google Forms®, foi solicitado indicação de horário para a realização da entrevista. Os encontros foram agendados na plataforma digital Google Meet®, de forma individual e registradas em gravação com duração média de 25 minutos. 

Na primeira parte da entrevista utilizou-se um questionário sociodemográfico com as variáveis:   sexo, idade, escolaridade e tempo de atuação como doula. A segunda parte foi realizada por meio de um roteiro semiestruturado para explorar o foco do estudo a partir das seguintes perguntas: Como é para você ser doula?  Como você percebe o trabalho da doula durante todo processo parturição?  Quais são os significados e percepções atribuídos ao seu papel de doula durante todo processo parturição? Quais dificuldades você percebe diante da equipe multiprofissional na assistência ao parto? Como são estabelecidas as relações do processo de trabalho das doulas durante a assistência prestada? As entrevistas foram gravadas na plataforma virtual Google Meet ®, transcritas na íntegra e armazenadas no Microsoft Office Word ®, tratadas e organizadas para posterior análise.

Os dados sociodemográficos foram analisados por meio de estatística descritiva simples. Para análise das questões abertas utilizou-se o método Textual Discursivo14. Este método de análise se organiza por intermédio de três etapas: unitarização, categorização e comunicação. Na primeira etapa, unitarização, realizou-se leituras aprofundadas do material obtido para formalizar as unidades de sentido conforme o objetivo da pesquisa.

Na categorização, ocorreu a aproximação e o estabelecimento de relações entre as unidades de sentido, as quais foram organizadas em categorias, com a finalidade de sumarizar as informações. Na última etapa, desenvolveu-se a interpretação da mensagem captada, baseada na apreciação do autor e subsidiada por referencial bibliográfico convergente ao tema de pesquisa, culminando no processo de comunicação ou exteriorização da nova compreensão14.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro sob o CAAE nº: 48798221.0.0000.8667 e obteve o parecer favorável em 03 de agosto de 2021, sob o nº 4.881.667. Salienta-se que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi devidamente explicado e obtido de forma virtual, garantindo a autonomia, o respeito e o anonimato. As participantes tiveram sua identidade preservada por meio de códigos da seguinte forma:  a letra “D” de Doula, seguida por números sequenciais de um a dez: “D1”; “D2” [...] “D10”, indicando a ordem de análise.

RESULTADOS

Participaram do estudo dez doulas, com média de idade de 31,7 anos (DP 5,6), destas, sete (70%) tinham nível de escolaridade superior completo. Todas as participantes são do sexo feminino e residem no município do estudo. Quanto à formação acadêmica, sete (70%) eram da área de saúde: quatro enfermeiras, uma fisioterapeuta, duas estudantes de enfermagem. Três possuíam formação em outras áreas, como direito, pedagogia e gestão financeira (uma cada). A média de tempo de atuação na doulagem foi de 48,1 meses (DP 39,9).

Os dados extraídos das entrevistas foram organizados em quatro categorias apresentadas a seguir: 

 

A escolha de atuar como doula 

Os relatos mostram que a afinidade com a obstetrícia/neonatologia durante a graduação e a própria experiência com a maternidade estiveram relacionados aos motivos pelos quais as entrevistadas escolheram a doulagem.

[...] decidi ser doula a partir da minha maternidade [...]a maternidade foi um portal para eu descobrir esse desejo que tinha guardado dentro de mim. (D2)

[...]gostava desse universo da enfermagem obstétrica [...]. (D4) 

[...] foi a partir da experiência muito ruim que vivi no meu primeiro parto, decidi que precisava fazer o curso de doula, e transformar outras vidas[...] recriar o que foi deixado a desejar na minha assistência [...]. (D7)

 

As expressões “minha maternidade”, “minha assistência” e “experiência” evidenciam os sentimentos e motivos envolvidos nas escolhas das mulheres entrevistadas.

A doula como fonte de conhecimento e empoderamento feminino 

Os discursos caracterizam a importância do papel da doula como veículo de informações seguras, atualizadas e baseadas em dados científicos para a gestante e sua família, além de ressaltar a importância do protagonismo da mulher.

Na minha percepção a doula tem um papel fundamental para a mulher conhecer seu próprio corpo, dela se empoderar [...]. (D3)

Ser doula é um mergulho no nosso feminino, então a gente tem um encontro com o feminino [...]com outras mulheres, então para além daquela parte técnica do cuidado com a gestação e o nascimento do bebê [...]. (D9)

Eu acho que a doula tem um papel importante na vida da gestante e consequentemente do bebê [...]porque a gente passa conhecimentos para essa mulher que absorve essas informações para que ela possa refletir sobre sua condição, sua gravidez [...]. (D6)

O trabalho da doula é justamente desmistificar e trazer informações de qualidade, com base em evidências científicas [...] então eu vejo o papel como essencial para essa mulher[...] a mulher tem que ser informada para ela ter voz e ser atendida no que realmente deseja. (D8)

Palavras como “conhecer”, “informações”, “desmistificar” e “empoderar” compõem as ideais centrais das falas das entrevistadas nesta categoria.

O trabalho da doula na assistência à mulher 

A atuação das doulas busca assegurar os direitos das mulheres no ciclo gravídico-puerperal, em especial no parto, momento em que a gestante se encontra mais suscetível a violências. Este objetivo é evidenciado nos discursos abaixo:

O trabalho da doula é uma forma de garantir os direitos da gestante e da puérpera e do neonato[...] oferecer garantia e segurança através do conjunto de direitos existentes[...] de garantir direitos para essa mulher e para a família[...] para mim isso acontece fortemente com a presença da doula [...]. (D1)

A atuação da doula proporciona para a mulher conhecimentos sobre o ciclo gravídico e com isso fortalece segurança dessa mulher [...]. (D6)

[...] nesse sentido o trabalho da doula, tem um significado muito importante para essa mulher que está vivenciando essa experiência. (D8)

O uso de palavras como “garantir”, “direitos”, “garantia”, “segurança” consolidam a visão da importância da atuação da doula como fator de proteção para as mulheres no processo de gestar e parir. 

Barreiras impostas à atuação da doula pela equipe multiprofissional 

A falta de conhecimento acerca das atribuições da doula é apontada pelas participantes como um entrave para sua prática profissional e para seu acesso aos serviços de saúde:

Eu percebo que alguns profissionais que estão atuando no cenário gravídico puerperal veem a doula como uma leiga[...] como uma pessoa que está apenas acompanhando a gestante [...]. (D1)

A primeira dificuldade é o preconceito sobre qual é realmente a atuação da doula [...]alguns profissionais não sabem qual é o verdadeiro papel da doula [...]. (D2)

 [...] enfrenta-se o desconhecimento do trabalho da doula [...]. (D3)

 Eu acho que o papel da doula é invisível, pela equipe de saúde como um todo. (D4)

Percebo que os profissionais que atende a gestante e a puérpera a têm resistência quanto a presença da doula, [...] em relação as pacientes também muitas não sabem o que é a doulagem, [...]. (D5)

[...] eu sinto muita dificuldade, as vezes as pessoas não sabem o que a doula faz[...], eu já me senti muito desvalorizada [...] eu sinto essa discriminação e desvalorização, já me senti muito desvalorizada[...]. (D10)

Termos como “leiga”, “preconceito”, “não sabem o que é”, “invisível”, “resistência”, “desvalorização”, “invisibilidade”, “discriminação” ou semelhantes permeiam todos os discursos, mostrando que as entrevistadas percebem seu trabalho inferiorizado diante da equipe de saúde e atribuem as dificuldades vivenciadas na prática à ideia ilusória de disputa por espaço de trabalho e ameaça a autonomia profissional de outras categorias. 

DISCUSSÃO

O tempo de atuação como doula deste estudo é semelhante a outros de mesma natureza, compreendendo médias de três a quatro anos de trabalho15,16. As participantes apresentaram motivações variadas para se tornar doula registradas por meio das falas que remetem a experiências vivenciadas no próprio parto, sejam essas positivas ou negativas no contexto das iniquidades de longa data na saúde materna e infantil nos serviços de saúde17

Estudo aponta que a motivação para atuar como doula depara com o desejo de colaborar com outras mulheres, motivada na necessidade pessoal de superar as experiências pessoais e traumáticas vividas9. A afinidade por obstetrícia e neonatologia durante a formação, apontada como motivo para a atuação como doula neste estudo, não encontrou correspondência na literatura.

Ressalta-se que o cuidado da doula é considerado uma intervenção baseada em evidências voltadas na melhoria das experiências e dos resultados do parto e, especificamente, reduzir as dificuldades na saúde materna18O fortalecimento do trabalho da doula foi explicitado nos discursos como forma de construir melhorias da perspectiva profissional, por meio da inserção na equipe obstétrica. Vale registrar que, para o fortalecimento do trabalho das doulas, são necessárias evidências robustas relacionadas às atividades desenvolvidas a partir de medidas sobre o impacto dessa nas experiências de cuidado das mulheres no ciclo gravídico-puerperal18

O trabalho da doula ocorre de maneira transversal em todo o ciclo gravídico-puerperal, proporcionando a formação de vínculos com a família e a satisfação de necessidades individuais das mulheres17,18. A doulagem pauta-se em conhecimentos científicos sobre o corpo humano e o processo fisiológico envolvido na gestação, parto e puerpério19. Os discursos deste estudo apontaram que este conhecimento é a ferramenta de trabalho da doula no suporte físico e emocional inerentes à sua prática, bem como uma referência segura de informações de qualidade.  Este fato é evidenciado por meio de um ensaio clínico que comparou os desfechos de gestantes e destacou que as que foram atendidas por doulas apresentaram discreta redução da duração do trabalho de parto e diminuição da necessidade de analgesia epidural20.

As entrevistadas indicaram que a atuação da doula reduz as dificuldades encontradas pelas mulheres em acessar direitos, além de contribuir para uma experiência geral mais positiva. A literatura mostra que a presença da doula no parto promove a proteção da dignidade da mulher e pode diminuir atitudes violentas por parte da equipe25Por outro lado, o trabalho das doulas é descrito como motivo de tensão, e existem comparações entre a doulagem e o papel do acompanhante. São frequentes os relatos de iniquidades no acesso a cuidados adequados na gestação e no parto. A presença de doulas em hospitais geralmente depende do reconhecimento oficial ou papel dentro do sistema biomédico, ainda não há consenso institucional externo ou reconhecimento do papel profissional das doulas21.

Nesse contexto, observa a necessidade de abordagens para o estabelecimento de relações de trabalho ​​entre doulas e prestadores de cuidados clínicos, a fim de fornecer cuidados, integrativos e de alta qualidade. Desse modo o estabelecimento do processo de comunicação exige o desenvolvimento de recursos que possam facilitar a prática de cuidado para melhoria das relações entre a equipe de saúde e doula na assistência do ciclo gravídico-puerperal 22.

 Essa situação pode ser solucionada a partir da definição explícita do papel da doula como o de promover a integração efetiva com as equipes hospitalares de assistência à maternidade 23.  Estudos apontam para os benefícios do cuidado centrado na mulher, bem como para os desafios decorrentes da cooperação com a equipe interdisciplinar 24,25. Para tanto os sistemas de cuidados perinatais devem ser remodelados e desenvolvidos para incluir essas profissionais.

 As falas das entrevistadas confirmam sua função distinta e complementar em relação a outros profissionais, não devendo disputar espaço com o acompanhante e equipe de saúde, uma vez que seu papel está associado a incentivar a autonomia da mulher, atenuando as disparidades de saúde em grupos de risco devido a estigmas raciais e socioeconômicos e de profissionais de saúde24. Quanto à atuação, as doulas atuam nas fases pré-natal e pós-natal da gravidez como educadoras maternas, expandido sua atuação durante o parto fornecendo apoio, encorajamento e orientações contínuas para a gestante/puérpera sobre o que esperar durante o trabalho de parto. Elas permitem uma melhor comunicação para o paciente e estabelecem planos de parto16.

CONCLUSÃO 

Este estudo inovou ao buscar retratar as percepções e significados de ser doula, contribuindo na divulgação do conhecimento sobre a importância de sua presença no processo parturição, bem como no seu papel na equipe multidisciplinar, o que pode auxiliar a mitigar os conflitos e barreiras enfrentadas.   

A escolha de atuar como doula a partir da experiência vivida fortalece construção de bases profissionais próprias, diferenciando-as de outras ocupações. A doula como fonte de conhecimento e empoderamento feminino, deve ser vista como forma de reformular por meio de evidências cientificas, formas de interações, cooperação e resolução de conflitos. Visando superar os entraves que envolvem profissionais relacionados com o cuidado obstétrico para obtenção de resultados positivos para todo processo de parturição e romper barreiras impostas pelos serviços que prestam assistência às mulheres em trabalho de parto e puerpério e assim obter resultados favoráveis. Destaca-se a necessidade de pesquisas para a efetivação das práticas humanizadas para a manutenção de cuidado obstétrico de qualidade.

A ausência de informações acerca do universo da pesquisa impossibilitou a aleatorização da amostra, uma vez que o tamanho da população estudada não era conhecido. Neste contexto, a seleção da amostra por meio do método bola de neve foi suficiente para os objetivos do estudo, embora apresente como limitação a impossibilidade de realizar generalizações a partir dos conhecimentos construídos.

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