O VIVENCIAR DAS MULHERES QUE VIVEM COM HIV SOBRE O PROCESSO DE NÃO AMAMENTAÇÃO
O VIVENCIAR DAS MULHERES QUE VIVEM COM HIV SOBRE O PROCESSO DE NÃO AMAMENTAÇÃO
THE EXPERIENCE OF WOMEN LIVING WITH HIV ABOUT THE PROCESS OF NOT BREASTFEEDING
LA EXPERIENCIA DE MUJERES QUE VIVEN CON VIH SOBRE EL PROCESO DE NO LACTANCIA
Autores:
Mariana Miranda -Universidade federal de Juiz de Fora Acadêmica de Enfermagem, Faculdade de Enfermagem UFJF. Orcid: https://orcid.org/000-0002-9356-9081;
Luciano Chaves Dutra da Rocha - Universidade Federal de Juiz de Fora Enfermeiro Especialista em Gestão de Saúde, Mestrando PPG Enfermagem UFJF. Orcid: https://orcid.org/0009-0005-1481-8377;
Laiza Silva Alves - Universidade federal de Juiz de Fora Acadêmica de Enfermagem, Faculdade de Enfermagem UFJF .Orcid: https://orcid.org/0009-0008-6149-3474;
Giulia Maria de Matos Santos - Universidade Federal de Juiz de Fora Acadêmica de Enfermagem, Faculdade de Enfermagem UFJFOrcid: https://orcid.org/0009-0001-7043-888X.
Guilherme Sacheto Oliveira - Fundação Presidente Antônio Carlos – Leopoldina Professor Mestre em Enfermagem UNIPAC, Doutorando PPG Saúde Coletiva UFJF.Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2642-7320
Natália Maria Vieira Pereira Caldeira - Universidade Federal de Juiz de Fora Professora Doutora Faculdade de Enfermagem UFJF, Membro do PPG Enfermagem UFJF. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4231-711
Zuleyce Maria Lessa Pacheco - Universidade Federal de Juiz de Fora Professora Doutora Faculdade de Enfermagem UFJF, Membro do PPG Enfermagem UFJF. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9409-8971
RESUMO:
Objetivo: Compreender o significado da não amamentação em mulheres que vivem com o Vírus da Imunodeficiência Humana. Método: Trata-se de um estudo qualitativo, que utilizou como alicerce teórico, metodológico e filosófico a abordagem fenomenológica heideggeriana. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista fenomenológica. Resultados: A análise das narrativas permitiu identificar aspectos relevantes frente às orientações sobre o processo de não amamentação, fragilidade no acolhimento/vínculo do profissional da saúde para com essas mulheres, gerando sentimentos de tristeza, culpa e impotência, corroborando com o desafio de ser mãe na condição de viver com o Vírus da Imunodeficiência Humana. Conclusão: As mulheres que vivem com o Vírus da Imunodeficiência Humana sofrem com o processo da não amamentação e desejam encontrar nos serviços de saúde profissionais preocupados em sanar suas dúvidas, desconfortos e que respeitem sua individualidade.
DESCRITORES: Aleitamento Materno; Enfermagem; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Pesquisa Qualitativa.
ABSTRACT:
Objective: To understand the meaning of non-breastfeeding in women living with the Human Immunodeficiency Virus. Method: This is a qualitative study, which used the Heideggerian phenomenological approach as its theoretical, methodological and philosophical foundation. Data collection was performed through phenomenological interviews. Results: The analysis of the narratives allowed us to identify relevant aspects regarding the guidelines on the process of non-breastfeeding, fragility in the reception/bond of the health professional towards these women, generating feelings of sadness, guilt and helplessness, corroborating with the challenge of being a mother in the condition of living with the Human Immunodeficiency Virus. Conclusion: Women living with the Human Immunodeficiency Virus suffer with the process of non-breastfeeding and wish to find professionals in health services concerned with solving their doubts, discomfort and who respect their individuality.
KEYWORDS: Breastfeeding; Nursing; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Qualitative Research.
RESUMEN:
Objetivo: Comprender el significado de no amamantar en mujeres que viven con el Virus de Inmunodeficiencia Humana. Método: Se trata de un estudio cualitativo, que utilizó como fundamento teórico, metodológico y filosófico el enfoque fenomenológico heideggeriano. La recolección de datos se realizó a través de entrevistas fenomenológicas. Resultados: El análisis de las narrativas permitió identificar aspectos relevantes respecto a las directrices sobre el proceso de no lactancia materna, fragilidad en la acogida/vínculo del profesional de la salud con estas mujeres, generando sentimientos de tristeza, culpa e impotencia, corroborando el desafío de ser madre viviendo con el Virus de Inmunodeficiencia Humana. Conclusión: Las mujeres que viven con el Virus de Inmunodeficiencia Humana sufren el proceso de no lactancia materna y desean encontrar en los servicios de salud profesionales que se preocupen por resolver sus dudas y malestares y que respeten su individualidad.
DESCRIPTORES: Lactancia Materna; Enfermería; Síndrome de inmunodeficiencia adquirida; Investigación cualitativa.
Recebido:15/09/2024 Aprovado: 08/10/2024
Tipo de artigo: Artigo Original
INTRODUÇÃO
O Ministério da Saúde (MS) estabelece que a amamentação é contraindicada para mulheres vivendo com HIV (MVHIV), mesmo naquelas com a carga viral indetectável e em uso regular de antirretrovirais. Salientando-se que algum momento do seguimento clínico, a prática de aleitamento materno for identificada, deve-se suspendê-lo imediatamente, solicitar exame de carga viral - HIV (CV-HIV) para o recém-nascido e iniciar profilaxia pós exposição (PEP) simultaneamente à investigação diagnóstica. A não-amamentação é uma forma de impedir a infecção cruzada que é a transmissão do HIV da mãe para o bebê e por este motivo o MS preconiza que as MVHIV no puerpério deverão ser inseridas em quartos conjuntos na maternidade (1-2).
A maternidade e viver com HIV é fator gerador de medo e dúvidas, possivelmente parte destes sentimentos seja proveniente das fantasias geradas a partir da falta de orientações, ou pela forma que tais orientações são passadas a estas MVHIV (3). Na prática assistencial observa-se que as MVHIV chegam à maternidade sem serem informadas sobre o processo da não amamentação, na maioria das vezes elas são orientadas apenas quanto a não poderem amamentar, mas desconhecem quais os cuidados para a inibição da produção do leite (3-4-5).
Ao perscrutar a literatura, encontra-se vasto material direcionado ao acompanhamento da gestante que vive com HIV, sobre as fases da descoberta da infecção estando grávida, bem como da descoberta da gestação convivendo com o HIV e sobre a vivência do tratamento com antirretrovirais para evitar a transmissão vertical. Contudo, pouco se aborda a temática do vivido desta mulher sobre o processo de não amamentação (6-7-8).
Diante deste cenário, este estudo tem como objetivo desvelar os sentidos do movimento existencial de ser mulher vivendo com HIV e o vivido do processo da não amamentação.
MÉTODO
Trata-se de um estudo qualitativo orientado pela ferramenta Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) (9). Utilizou-se a abordagem fenomenológica heideggeriana (10) como base teórica e metodológica para explorar a experiência do “Dasein”, ou seja, a experiência deste ser mulher vivendo com HIV e o vivido do processo da não amamentação (9-10-11).
As participantes foram MVHIV, usuárias de um Serviço de Assistência Especializada (SAE) de um município localizado na Zona da Mata Mineira. A coleta de dados ocorreu no período entre novembro de 2023 a julho de 2024, e o estudo incluiu mulheres maiores de 18 anos, que experienciaram no puerpério o processo da não-amamentação. Foram excluídas do estudo as MVHIV que na época da gestação ainda não haviam sido diagnosticadas e procederam a amamentação de seus bebês.
Antes de contactar as participantes foi realizado um teste piloto com uma MVHIV para ajustar o roteiro de entrevista. Recorreu-se à amostragem por conveniência para a captação das participantes de duas formas: através de contato telefônico com as MVHIV que fizeram acompanhamento de puericultura no SAE e aquelas que, após consulta de enfermagem do rastreamento do câncer de colo de útero e de mama foram identificadas e realizado o convite. Todas as mulheres convidadas que aceitaram participar do estudo assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A coleta dos dados foi uma entrevista fenomenológica com MVHIV que atenderam aos critérios de inclusão, que objetivou explorar a experiência subjetiva de uma pessoa em relação a um fenômeno particular, sem julgamentos pré-estabelecidos e sem interpretações externas, permitindo que ela descreva livremente suas experiências, percepções e os significados atribuídos (12). Inicialmente foram coletados os dados sociodemográficos e na sequência a entrevista fenomenológica semiestruturada contendo as seguintes questões norteadoras: “Fale para mim, em que momento a senhora foi orientada que não poderia amamentar”, “Conte para mim como a senhora foi orientada a não amamentar”, “Me conte, como foi para a senhora receber esta notícia”, “Conte-me como foi passar por este processo de não amamentar”.
As falas foram gravadas em MP4, ordenadas e transcritas na íntegra, não havendo perdas de conteúdo. Manteve-se a fidelidade à linguagem das participantes. A coleta foi encerrada assim que atingiu a saturação dos dados, ou seja, quando os significados expressos dos depoimentos ficaram repetitivos (11).
Os depoimentos foram analisados em dois momentos metodológicos (10). O primeiro consistiu na Compreensão Vaga e Mediana, que envolveu a transcrição dos depoimentos das participantes para entender o fenômeno em questão e o modo de ser das depoentes. O segundo, denominado movimento analítico hermenêutico, concentrou-se em revelar os sentidos do movimento existencial de ser mulher vivendo com HIV e o vivido do processo da não amamentação.
A análise resultou em três unidades de significação (US): US1 denominada “A descoberta de que não poderia amamentar”; US2 denominada “O lamento: ter HIV e não poder amamentar” e US3 denominada “O experienciar do vivido da mulher mãe vivendo com HIV”. A partir dessas US e utilizando o método intuitivo, buscou-se compreender o sentido da experiência vivida pelo ser, com o objetivo de desvelar as múltiplas facetas do fenômeno investigado.
O sigilo e a confidencialidade das participantes foram garantidos, identificadas pela letra E (entrevistada), seguida por números arábicos correspondentes a ordem da entrevista (ex: E1). Este estudo atendeu às recomendações da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com o nº CAAE e Parecer nº 5.865.462.
RESULTADOS
Participaram deste estudo 14 MVHIV, com faixa etária variando de 24 a 58 anos. Das participantes, 28,5% se autodeclararam brancas, 57,1% pardas e 14,2% pretas. Em relação à escolaridade, 14,2% declararam ter cursado ensino fundamental completo, 21,4% o ensino fundamental incompleto, 21,4% o ensino médio completo, 35,7% o ensino médio incompleto e 7,1% o ensino superior completo. No que diz respeito ao pré-natal, todas declaram terem realizado as consultas a partir do momento em que descobriram a gravidez, sendo que 71,4% fizeram o pré-natal no SAE, e 28,5% em outros serviços como Unidade Básica de Saúde (UBS), clínica particular e unidade hospitalar, porém todas não alcançaram o mínimo de seis consultas pré-natal, 92,8% dessas mulheres relataram que não amamentaram.
Em relação ao número de gestações, 85,7% são multíparas e 14,2% primíparas. Quanto ao estado civil das participantes, 50% relataram ser solteiras, 28,5% casadas, 7,1% em união estável, 7,1% divorciada e 7,1% viúva. Entre as 14 participantes, 78,5% informaram receber de um a dois salários-mínimos, enquanto 21,4% declararam não possuir renda própria. 57,1% dessas mulheres são chefes de família.
As US a seguir demonstraram os sentidos do movimento existencial de ser MVHIV e o vivido do processo da não amamentação:
US1- A descoberta de que não poderia amamentar
[...] Aqui no SAE quando eu descobri que estava grávida [...] não me orientaram não, só falaram que eu não podia amamentar [...]. (E2).
[...] na hora do parto que eu fiquei sabendo. Falaram (enfermeiro e médico da maternidade) que eu não ia poder amamentar porque os riscos também já eram bem maiores de contaminação [...] e era para levar meu filho direto no pediatra para fazer os exames que precisasse e cuidar. (E7).
[...] Na maternidade a enfermeira mandou eu tirar o leite com a bombinha em casa e jogar fora, eu recebi um remédio para secar o leite, tomei lá mesmo (na maternidade) mas não tive mais orientações. (E8).
Só falou (a médica) que por causa da minha doença eu não podia amamentar, só isso, que não podia porque ia transmitir pro bebê [...] usei a faixa compressiva quando ganhei ela (filha) e me deram remédio para eu tomar. (E13).
US2- O Lamento: ter HIV e não poder amamentar
[...] Eu fiquei triste por não poder amamentar [...] tem hora que eu não gosto de falar sobre o assunto. (E1)
[...] Eu fiquei arrasada, triste, pensei que o bebe iria morrer se não amamentasse. (E5)
Quando você é mãe você tem o desejo de amamentar. Às vezes eu pegava ela no colo assim, dava vontade de amamentar como mãe, mas sempre pensei: Poxa, não pode! Então, eu queria ter sido uma mãe normal que pudesse ter feito tudo o que uma mãe faz [...]. (E10).
Na época eu fiquei muito preocupada pois eu tinha amamentado meu filho mais velho até dois anos, eu não sabia em qual momento eu havia adquirido a doença, fiquei com medo de ter passado pra ele pelo leite [...]. (E11).
[...] me dói, porque… minha mãe amamentou, minha irmã, aí eu penso que foi só eu que não amamentou.[...] eu fico bem triste, eu queria poder mostrar uma fotinha, eu dando mamazinho pra ele, poder conversar com ele igual as mães conversam na barriga [...] eu me sinto…não sei parece que eu não sou nem desse mundo, acho que é uma tristeza que me deixa longe de todo mundo, eu me sinto sozinha. (E14).
US3- O experienciar do vivido da mulher mãe vivendo com HIV
Precisei fazer acompanhamento com a psicóloga, depois do parto eu me senti mal, tive um surto, foi aí que eu comecei o tratamento psiquiátrico e tive que tomar remédio[...]. (E5).
[...] a gente não comentava muito, a família do meu marido não sabia, porque ele não era soropositivo, esse era um assunto que a gente não tocava [...] aí a gente inventava uma história de que eu não dei leite [...] eu fiquei me culpando [...] e não precisava de nada disso, aliás, acho que até hoje eu encaro como uma desobediência da minha mãe, porque ela falava pra eu não namorar cedo, aí eu comecei a namorar cedo, tive relação sexual e me tornei soropositiva. Não precisava de nada disso ter acontecido se eu tivesse sido obediente [...]. (E6).
[...] eu não contei para minha família, foi muito difícil. Não tinha como contar, eles iam me julgar [...] Contei para minha mãe, mas tudo ela achava que ia pegar de mim, isso foi muito difícil [...] se eu menstruasse no banheiro e tomasse banho, ela achava que já ia ficar doente, que a família inteira ia pegar. Preconceito dentro da própria família, por ignorância e por não saber [...]. (E10).
DISCUSSÃO
A discussão demonstra os aspectos relatados por mães que vivem com HIV e o fenômeno da não-amamentação.
Ao serem indagadas sobre em que momento souberam que não poderiam amamentar, a maioria das MVHIV relataram que foram informadas durante a consulta com um infectologista realizada no SAE para o acompanhamento de tratamento do HIV. Houve apenas uma participante que relatou que recebeu a informação na maternidade após o nascimento de seu filho. Porém, não houve relatos de receberem esta notícia durante as consultas de pré-natal.
Entende-se que o atendimento humanizado é essencial na prestação de cuidados de saúde, especialmente para pessoas que enfrentam condições médicas desafiadoras, como o HIV. Essa abordagem se concentra na compaixão, respeito, empatia e na compreensão das necessidades individuais de cada pessoa. Sendo o pré-natal considerado um marco na relação mãe-filho, onde são realizadas consultas sequenciais que avaliam o desenvolvimento tanto do bebe quanto da mãe e onde a mulher busca sanar suas dúvidas e receber todas as orientações necessárias sobre a gestação e puerpério, por isso se faz necessário que o profissional da saúde compreenda a individualidade das MVHIV(13-14)
No pré-natal a estratificação de risco obstétrico deve ser iniciada na primeira consulta e dado seu segmento nas consultas subsequentes. A Atenção Primária em Saúde (APS) é a principal porta de entrada das mulheres gestantes usuárias do SUS, onde fica preconizado o mínimo de seis consultas pré-natal durante a gestação, que a qualquer momento sendo considerada como de alto risco está deverá ser encaminhada para um serviço de referência. As gestantes diagnosticadas com HIV são consideradas como de alto risco e devem ser acompanhadas durante o pré-natal pelo serviço especializado (15-16)
A maioria das participantes do estudo realizaram menos que o mínimo preconizado de consultas pré-natal, e seu seguimento foi realizado no SAE. Segundo seus relatos, a gestação não foi planejada e sua descoberta se deu a partir do segundo trimestre com uma média de consultas que variou de dois a cinco durante toda a gestação. Informaram também que em sua maioria contraíram o HIV após já terem tido ao menos uma gestação. Estudos realizados com MVHIV identificaram que a maioria das mulheres ou casais não fizeram um planejamento reprodutivo e que apesar de muitas sentirem o desejo de gestar só descobriram a gestação tardiamente sendo esse um dos motivos do início do pré-natal (17-18).
As participantes mostraram na falas que desde o momento em que receberam a notícia de não poder amamentar houve falha da assistência humanizada, seja antes de gestar, durante a gestação ou no puerpério, sendo apenas informadas e não esclarecidas sobre o que de fato é o processo de não amamentação proporcionando um misto de sentimentos tais como exclusão, impotência e tristeza
Corroborando com estes achados, um estudo realizado com MVHIV sobre o sentimento que apresentavam ao saberem que deveriam interromper a lactação encontrou similaridade com este estudo ao apontar que ainda não se sentem acolhidas em sua singularidade no que tange às suas necessidades de orientação, que ao estarem dividindo enfermaria com outras mulheres, sofrem com os olhares discriminatórios e comparativos que sem saber como se comportarem diante da possibilidade de serem questionadas do porquê não estarem amamentando, sobressai seus anseios sobre o processo de não amamentação e que deveriam ter sido realizadas logo no início da descoberta da gestação (19-20).
Segundo Heidegger, o ser-aí (Dasein) é a forma de existência que permite ao ser projetar-se em suas possibilidades. Enquanto outros entes simplesmente são, o Dasein tem a capacidade de se lançar para fora de si mesmo (10). A MVHIV, ao viver essa condição existencial, enfrenta uma privação da potencialidade do Dasein. Ela precisa ser analisada ontologicamente como uma privação e onticamente como ser MVHIV. Ao se comparar com os outros, essa percebe-se mais restrita em sua capacidade de responder às exigências do cotidiano, evidenciado no fato de não poder amamentar e na sensação de impotência, tristeza e preocupação.
Nos discursos deste estudo, os enfermeiros são mencionados apenas de forma genérica, como "pessoal da enfermagem", evidenciando uma percepção comum que considera apenas a categoria de forma generalizada. Esta visão contraria a Lei nº 7498/86(21). O Dasein sempre está imerso em um mundo, cercado de outros entes e as MVHIV necessitam vivenciar a experiência de ser-com, possuindo um sentido de ser da co-existência, de estar-aí-com os outros. O que nos permite inferir que os profissionais de enfermagem, ao manter vínculos frágeis com essas mulheres, podem trazer reflexos em sua experiência de ser-aí-mãe.
Heidegger descreve o discurso cotidiano como uma forma de comunicação que busca manter o ser na possibilidade de compreender. O homem, como ente que tem uma relação singular com seu ser, é o único capaz de acessar e extrair o sentido do ser (9). Assim, os ruídos de comunicação entre profissionais de saúde e as MVHIV podem impactar o acesso ao ser-aí dessas mulheres.
O cotidiano, para Heidegger, é o modo de estar imerso nas preocupações diárias, onde as escolhas são limitadas. Para MVHIV o processo do porquê da não amamentação é vivenciado em segredo, revelando um estado de inautenticidade e impessoalidade, colocando-a em uma situação de encobrimento de seu ser (10).
As MVHIV apresentaram como é desafiador lidar com as responsabilidades de ser mulher e ser mãe vivendo com HIV diante da sociedade. Externaram em um misto de sentimentos de tristeza e impunidade, e como foi passar pelo processo de não amamentação desde o momento em que receberam a notícia até os dias de hoje. O medo de ter seu diagnóstico atribui um sentido à necessidade real de ser ouvida, deixando que outros e as circunstâncias determinem o que ela deve fazer, e ela nada questiona, resultando em uma alienação de si mesma e um estado de não-ação (10).
Através das narrativas percebeu-se que ser MVHIV durante o pré-natal e puerpério é uma experiência desafiadora em vários aspectos, pois existem fatores sociais, emocionais e culturais que impactam a vida diária e o bem-estar da mulher. E ao tentar compreender o vivido do processo de não amamentação das participantes foi possível identificar que elas ainda carregam a culpa, a preocupação e o arrependimento de decisões tomadas no passado e que perpetuam a história dessas mulheres (20-22).
Destaca-se o sentimento de tristeza presente na vida das MVHIV quando questionadas sobre como foi receber a notícia de não poder amamentar, misturado a sentimentos distintos como o medo e a angústia.
O medo as faz não pensar na amamentação, não enfrentando-o com um problema. Essas mulheres podem se mergulhar em ocupações, em falações. O medo as convida a viver na impropriedade, num sentido impróprio que não aponta em direção alguma, como uma finalidade sem fim (10).
A angústia se mostra em seu caráter ontológico como propulsor do ex-istir do humano, ela revela a verdade do humano e por conseqüência a verdade do vivido, o que se verifica como a essência deste ente que se coloca em um caráter ontologicamente aberto para possibilidades e em uma relação com outro seres que se distinguem dele e por este motivo o conceito da angústia se torna presente apenas. em relação com outros (10-23). A angústia abre a inospitalidade do mundo, para sensação de "ficar sem chão". A angústia revela uma compreensão da não amamentação como algo singular. A MVHIV frente o processo de não amamentação não pode escapar da convocação que a angústia a faz de viver na propriedade, na possibilidade de ser ela mesma.
Já o temor, segundo Heidegger, pode ser compreendido em três dimensões: o que se teme, o temer e o pelo que se teme. Para as MVHIV, o medo de não ser compreendida socialmente, uma vez que a cultura atual nos leva a acreditar que a maternidade só é vivida completamente quando há amamentação, torna o processo uma experiência penosa e emocionalmente desgastante, ainda que as mães saibam que é um ato de proteção para com seus filhos (10-5-22-23).
CONCLUSÃO
Os resultados do presente estudo vislumbraram a compreensão dos sentimentos enfrentados da não amamentação em mulheres que vivem com HIV. Dentre estes sentimentos destaca-se a impunidade, a tristeza e o medo.
Torna-se imperativo salientar que os significados da não amamentação para MVHIV, o vivido por elas, incluem os relatos armazenados na memória dessa mulher e que são guardados para si, fazendo com que ela, por vezes se questione do porquê não é acolhida na sua singularidade.
O estudo destaca a necessidade de compreender as demandas específicas das MVHIV e da relevância de um atendimento holístico e desprovido de qualquer preconceito ou estigma pelos profissionais de saúde. A pesquisa enfatiza a importância de desenvolver habilidades comunicativas e de compreensão da singularidade da mulher-mãe a fim de melhorar a interação e esta refletirá em uma qualidade da assistência a estas mulheres.
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