PARTO HUMANIZADO: O PAPEL DA ENFERMAGEM NA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
PARTO HUMANIZADO: O PAPEL DA ENFERMAGEM NA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
HUMANIZED LABOR: THE ROLE OF NURSING IN PREVENTING OBSTETRIC VIOLENCE
PARTO HUMANIZADO: EL PAPEL DE LA ENFERMERÍA EN LA PREVENCIÓN DE LA VIOLENCIA OBSTÉTRICA
Autores
Elizabeth De Paula Mesquita - Discente do curso de graduação em Enfermagem pela Universidade Anhembi Morumbi - Orcid: 0009-0001-9333-969X
Ingrid Caroline Cavalcante Pereira - Discente do curso de graduação em Enfermagem pela Universidade Anhembi Morumbi - Orcid: 0009-0007-6660-2986
João Vitor Moraes De Farias - Discente do curso de graduação em Enfermagem pela Universidade Anhembi Morumbi - Orcid: 0009-0005-4039-7350
Maria Eduarda Bataglion Dos Santos - Discente do curso de graduação em Enfermagem pela Universidade Anhembi Morumbi - Orcid: 0009-0000-2583-1298
Anderson Scherer - Professor Orientador do curso de graduação em Enfermagem pela Universidade Anhembi Morumbi
Resumo
Introdução: As altas taxas de violência obstétrica (VO) no Brasil suscitam a discussão acerca de medidas de prevenção e combate às práticas abusivas e degradantes no atendimento à pessoa gestante no país. Nesse cenário, entender o papel dos profissionais de saúde é decisivo para efetivar políticas públicas já existentes no cotidiano da práxis obstétrica. Objetivos: Compreender a relevância da atuação do profissional de Enfermagem na prevenção e combate à VO e definir estratégias de intervenção práticas. Métodos: Trata-se de revisão de literatura coletada a partir de pesquisas em bases de dados virtuais, como PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), a partir de critérios estabelecidos previamente. Resultados: A atuação do enfermeiro obstetra é primordial para prevenir e conter a VO no atendimento à pessoa gestante em todos os momentos do atendimento pré-natal, trabalho de parto, intraparto, pós-parto e puerpério. Entretanto, a existência de importante déficit na compreensão técnica da VO entre esses profissionais dificulta o exercício de sua função plena e corrobora para a perpetuação do ciclo de violência. Conclusão: Destaca-se o potencial impacto da atuação de enfermeiros na contenção de situações de VO e possíveis práticas de humanização do atendimento a serem adotadas, bem como identifica lacunas que dificultam a redução dos índices de abusos ocorridos durante o cuidado materno-fetal.
Palavras-chave: Parto Humanizado. Violência Obstétrica. Enfermagem Obstétrica. Saúde da Mulher.
Abstract
Introduction: The high Obstetrical Violence (OV) rates in Brazil encourage discussions about means of prevention and combat of abusive and abusive practices during the care for pregnant people in the country. On that note, understanding the role of healthcare workers is decisive to actualize already existing public measures in the midwife practice’s daily routine. Objectives: Comprehend the relevancy of nursing professional’s actions on the prevention and combat of OV and define practical intervention strategies. Methods: It is a review of literature collected through research in virtual databases such as PubMed and Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), based on previously established criteria. Results: The actions of obstetric nurses are primordial to prevent and contain OV upon the pregnant person during prenatal care, labor, intrapartum, post childbirth and postpartum. Nonetheless, the existence of an important deficit about the technical comprehension of OV midst these professionals makes it difficult to perform their proper role and endorses the stay of this cycle of violence. Conclusion: The potential impact of nurse’s actions to contain cases of OV as well as possible humanizing care practices to be implemented stand out, as well as how it identifies gaps that hamper the decrease of abuse rates occurred during maternal-fetal care.
Keywords: Humanized Labor. Obstetric Violence. Obstetric Nursing. Women 's Health.
Resumen
Introducción: Los altos índices de Violencia Obstétrica (VO) en Brasil incentivan discusiones sobre medios de prevención y combate a las prácticas abusivas y vejatorias durante la atención a gestantes en el país. En ese sentido, comprender el papel de los profesionales de salud es decisivo para actualizar las medidas públicas ya existentes en el cotidiano de la práctica de la partera. Objetivos: Comprender la relevancia de la actuación de los profesionales de enfermería en la prevención y combate a la VO y definir estrategias prácticas de intervención. Métodos: Se trata de una revisión de la literatura recogida a través de la investigación en bases de datos virtuales como PubMed y Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), a partir de criterios previamente establecidos. Resultados: La actuación de las enfermeras obstétricas es primordial para prevenir y contener la VO sobre la gestante durante el prenatal, parto, intraparto, postparto y puerperio. Sin embargo, la existencia de un importante déficit sobre la comprensión técnica de la VO en medio de esos profesionales dificulta el desempeño de su papel y favorece la permanencia de ese ciclo de violencia. Conclusiones: Se destaca el impacto potencial de la actuación de las enfermeras en la contención de los casos de VO, así como las posibles prácticas humanizadoras del cuidado a ser implementadas, además de identificar lagunas que dificultan la disminución de los índices de maltrato ocurridos durante la atención materno-fetal.
Palabras clave: Parto Humanizado. Violencia Obstétrica. Enfermería Obstétrica. Salud de la Mujer.
Tipo de artigo: Revisão de Literatura
Recebido: 04/06/2024 Aprovado:15/07/2024
INTRODUÇÃO
Historicamente, a prática do parto no Brasil tem sido progressivamente alterada: em tempos remotos, os nascimentos eram, via de regra, realizados em ambiente familiar, muitas vezes no próprio domicílio da mãe, por uma parteira. Com o avanço da urbanização e das tecnologias da saúde, o parto tornou-se um evento fundamentalmente centrado no atendimento hospitalar, de maneira que o protagonismo da parturiente se esvaiu e um novo instrumento de opressão foi estabelecido no cuidado durante o período gravídico-puerperal.1
O termo violência obstétrica (VO) é designado para qualificar formas variadas de agressão cometida durante a experiência do parto, que incluem quaisquer condutas, atos ou omissões que levam à apropriação indevida dos processos corporais e reprodutivos de parturientes. Compreende não só abusos verbais, psicológicos e ou físicos cometidos por profissionais da equipe de saúde, mas também procedimentos invasivos e desnecessários2, bem como falhas estruturais de clínicas e hospitais onde o atendimento é realizado.3
Reconhecida em 2014 pela Organização Mundial de Saúde como questão de saúde pública, a VO é considerada também uma violência de gênero, por ser diretamente direcionada às mulheres. Entre as principais violações já observadas, somam-se o abuso físico, a imposição de intervenções não consentidas plenamente, a inconfidencialidade, o cuidado indigno, o abuso verbal, a discriminação de qualquer natureza, a negligência e a detenção da parturiente nos serviços de saúde.2 De
Oliveira et al.4 (2020) revela que 90% das mulheres brasileiras não receberam qualquer orientação sobre seus direitos reprodutivos e sexuais no período gravídico puerperal, assim como qualquer incentivo à preservação de sua autonomia durante o período pré-parto, intraparto e pós-parto. Esse dado demonstra o enraizamento de uma cultura hostil precursora da VO que permeia a atuação dos profissionais da saúde no país.4
A política de humanização do atendimento surge como medida de prevenção e contenção da VO no cenário brasileiro a partir de 2000, com a publicação do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN)5 e é reforçada pelo desenvolvimento da Rede Cegonha instituído em 20116, ambas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde. Essa prática envolve, sobretudo, o cuidado participativo: trata-se também de garantir o direito de escolha da parturiente. Assim, quando ciente dos
riscos e benefícios de suas decisões, pode exercer plenamente sua autonomia no momento em que é protagonista.7 Além disso, é dever do profissional respeitar a fisiologia da mulher, de maneira a evitar a intervenção indevida e oferecer o suporte necessário à parturiente e sua família a fim de assegurar o seu bem-estar. O conjunto de abordagens a serem utilizadas é fundamentalmente baseado em evidências científicas e nos direitos humanos.8
Apesar dos avanços estabelecidos pela PHPN e pela Rede Cegonha, os dados recentes ilustram a persistência da problemática no país. Urge, portanto, analisar as formas de cuidado humanizado durante o ciclo gravídico-puerperal e relacioná-las à atuação do profissional de Enfermagem na prevenção à VO nos diversos níveis de atenção à saúde. Além disso, espera-se, com o presente trabalho, suscitar novas pesquisas acerca da implementação das ações apontadas e sua influência na diminuição dos índices de VO no país.
OBJETIVOS
O presente artigo pretende reunir as principais pesquisas recentes acerca do papel do enfermeiro na prevenção e contenção da violência obstétrica, bem como analisar os impactos gerados a partir da sua participação na experiência de parto. Além disso, esta revisão literária busca reunir as principais estratégias que podem ser adotadas pelo profissional de Enfermagem em sua prática diária com a finalidade de garantir a humanização do cuidado à saúde da pessoa gestante.
METODOLOGIA
Esta revisão de literatura foi produzida por seleção de estudos contidos nas bases de dados MEDLINE, através do PubMed, para literatura mundial; e BIREME/BVS, que abrange bibliotecas como LILACS, SciELO, MEDLINE e IBECS, para literatura latino-americana.
A estratégia de busca foi baseada no cruzamento de descritores MeSH e DeCS em suas respectivas bases de dados, com uso de operadores booleanos AND e OR. Na plataforma PubMed, os termos usados foram “obstetric nursing”, “violence”, “obstetric labor complication” e “pregnancy”. Na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), os termos foram “violência obstétrica” e “enfermagem”.
Foram considerados apenas estudos nas línguas portuguesa e inglesa, publicados entre os anos de 2019 e 2024. Além disso, foram incluídos nesta revisão estudos transversais, longitudinais, pesquisas epidemiológicas e qualitativas que estivessem relacionados à pergunta de pesquisa. Foram excluídos relatos de casos e revisões de literatura de qualquer tipo.
A seleção dos artigos reunidos pela busca nas plataformas se deu pela avaliação dos títulos, palavras-chave e resumos, fundamentadas nos critérios de elegibilidade anteriormente definidos. Aqueles estudos que não corresponderam aos parâmetros pré-estabelecidos foram excluídos da amostra, enquanto os artigos compatíveis foram lidos integralmente para análise de seus aspectos metodológicos e resultados apresentados.
RESULTADOS
Ao todo, 84 artigos foram encontrados nas bases de dados indicadas a partir dos parâmetros definidos anteriormente. Desses, 32 artigos foram pré-selecionados e considerados pertinentes à pergunta de pesquisa. Após a leitura integral, 14 artigos foram selecionados para compor a amostra, seguindo as etapas de análise propostas a fim de se obter dados relevantes para o recorte temático elegido para esta revisão. Os demais itens bibliográficos foram obtidos através de pesquisa entre os referenciais dos artigos coletados para complementação teórica.
O fluxograma (imagem 1), confeccionado baseado no protocolo PRISMA, ilustra o processo de coleta dos artigos selecionados, de forma a discriminar as etapas da pesquisa nas bases de dados escolhidas.
Os artigos que compõem a amostra desta revisão foram organizados na tabela 1, que reúne título, autor principal, ano de publicação e achados importantes.
Imagem 1 - Fluxograma de seleção dos estudos
Fonte: Elaborado pelos autores baseados no protocolo PRISMA.
Tabela 1 - Artigos analisados e principais achados
Título Autor Principal Ano de Publicação Achados Principais
A concept analysis of obstetric violence in the United States of
America
Ampliando vozes sobre violência obstétrica: recomendações de advocacy para
enfermeira(o) obstetra
Conhecimento de enfermeiros da atenção primária acerca da violência obstétrica
Garcia, Lorraine M. 2020
Zanchetta, M. et al. 2021
Isidoro Da Silva, M.;
Aguiar, R. 2020
Conceitua a VO e destaca a atuação do enfermeiro no seu combate.
Define boas práticas do enfermeiro no cuidado pré natal.
Ilustra a necessidade da qualificação do enfermeiro obstetra para exercer um atendimento humanitário.
Experiência de
gestantes na consulta de Enfermagem com a construção do plano de parto
Exposing the Role of Labor and Delivery
Trigueiro, T. et al. 2022
Identifica déficits na formação do enfermeiro e discute a importância desse profissional no atendimento pré-natal.
Nurses as Active Bystanders in
Preventing or
Perpetuating Obstetric Violence
Percepção das
Maggie, R. et al. 2023 Discute a passividade dos enfermeiros frente a VO.
Identifica o
desconhecimento da
população acerca da VO,
parturientes sobre violência obstétrica: A dor que querem calar
Midwives’ experiences of implementing
respectful maternity care knowledge in daily maternity care practices
after participating in a four-day RMC training
Mulher e parto:
significados da violência obstétrica e a
abordagem de
enfermagem
O olhar de residentes em Enfermagem
Teixeira, P. et al 2020 Dzomeku, V. et al 2021 Oliveira, M. et al 2020
sua alta prevalência e a importância de
profissionais de saúde qualificados na sua
prevenção e combate.
Demonstra, a partir de experiências de
enfermeiras, a importância da qualificação profissional para a condução do
atendimento obstétrico.
Revela a escassez de medidas de
aconselhamento e
planejamento da gestação por enfermeiros obstétricos e a importância desses procedimentos para
combater à VO.
Obstétrica para o
contexto da violência obstétrica nas
instituições
Obstetric Violence from
Menezes, F. et al 2020 Identifica formas comuns de VO
Indica os aspectos
identificados como VO
pelas enfermeiras e a
a Midwife Perspective Martínez, J. et al 2023
necessidade de
treinamento para prevenção e combate.
Violência obstétrica na percepção de
puérperas
Violência obstétrica: a abordagem da temática na formação de
enfermeiros obstétricos
Violência obstétrica: percepções de
enfermeiros obstétricos em uma maternidade de Minas Gerais
Vivências sobre
violência obstétrica: Boas práticas de
enfermagem na
assistência ao parto
Pascoal, K. et al 2020
Silva, T. et al 2020
Miranda, F. et al 2020 Moreira, D. et al 2022
Evidencia a precariedade da orientação de
enfermeiros com as
gestantes e seus impactos negativos ao combate da VO.
Demonstra a necessidade de formar enfermeiros obstétricos capazes de compartilhar
conhecimentos entre si e seus pacientes para reduzir as práticas de VO.
Demonstra a normalização por enfermeiros de práticas desumanizantes no
ambiente hospitalar
associadas à VO.
Apresenta a importância do atendimento acolhedor e paciente com a gestante e os processos fisiológicos naturais para evitar casos de VO.
Fonte: Elaborada pelos autores.
DISCUSSÃO
Os enfermeiros são apontados como um dos principais agentes perpetradores da violência obstétrica (VO) durante o ciclo gravídico-puerperal, sobretudo durante o trabalho de parto.4,7,9-11 Em De Oliveira et al.4 (2020), os profissionais de enfermagem são a segunda classe mais apontada como autor da violência obstétrica, atrás somente dos médicos obstetras.4
Sabe-se que o conceito de VO não é bem compreendido pela população, até mesmo entre os trabalhadores da saúde10,12, de maneira que esse desconhecimento contribui para a continuidade do ciclo de violência contra a pessoa gestante. Constata se ainda a prevalência nos relatos de mulheres com filhos que sofreram violência obstétrica, mas que não souberam identificar os abusos durante o atendimento ou após.7,13,14 Isso reforça a importância do enfermeiro como agente educador nas consultas pré-natais, que têm como princípio acompanhar a saúde materno-fetal e
orientar a gestante acerca dos tipos de parto e de quais procedimentos são ou não são passíveis de serem aplicados em determinadas circunstâncias.13 Entretanto, em Zanchetta et al.7 (2021) os profissionais dos centros comunitários de saúde constituíram o grupo com menor índice de apontamento entre seis possíveis fontes de informações - como internet, círculo social, noticiários, grupos comunitários e ONGs - acerca da violência que pode ser cometida em organizações de saúde durante a gestação, trabalho de parto, parto e pós-parto.7 Apesar disso, existe a consciência acerca do papel educador e transformador que os profissionais de enfermagem têm a potencial para exercer. Observa-se em Zanchetta et al.7 (2021) e Silva et al.15 (2020) o anseio por educação em saúde não só por gestantes, mas também pelos profissionais e gestores de saúde e demais membros da sociedade. A reestruturação no processo de formação desses profissionais, com estímulo à troca de experiências e adoção do atendimento humanizado, a fim de se constituir o vínculo paciente-profissional, é sugerida.7,15 Isso abrange o respeito irrestrito às crenças, costumes e etnia da pessoa gestante, assim como suas decisões durante a gestação, juntamente com a promoção de uma abordagem menos intervencionista e menos medicalizante. Além disso, oferecer orientação sobre procedimentos e direitos da mulher, demonstrar atenção, prestatividade e empatia, e monitorar casos de violência são atividades identificadas como deveres dos profissionais de enfermagem.3,4,7,15,16
Fornecer as informações para as pessoas gestantes é de fundamental importância para que possam se articular em lutas pela reivindicação de seus direitos. A educação de mulheres no ciclo gravídico-puerperal as empodera e eleva a autoestima ao estimular a sua autonomia para decidir sobre a via de parto, a quebra do silêncio e diminuição da violência institucional. Em Zanchetta et al.7 (2021), para todos aqueles que responderam a pesquisa, a violência obstétrica se sustenta no desconhecimento do tema e indisponibilidade de informações em seus ambientes sociais associado ao entendimento coletivo acerca do poder inquestionável de decisão dos profissionais da saúde sobre os corpos femininos.7,16
O uso arbitrário do saber e do poder conferido aos profissionais de saúde no cuidado obstétrico com a mulher e o neonato, para agir sem prestar esclarecimentos e sem solicitar consentimento, são maneiras de se praticar a violência obstétrica.11,17 Para que essas situações sejam identificadas, são necessários profissionais capacitados que instruam de maneira correta e que sanem as dúvidas16, a fim de
minimizar as repercussões negativas que esse período pode desencadear diante das intensas mudanças fisiológicas, estéticas e psicológicas que a gravidez acarreta e conceder instrumentos que auxiliem essas mulheres na identificação e denúncia de quaisquer abusos que possam ser praticados.2,4,17
Apesar da necessidade de uma abordagem multidisciplinar para combater a VO, os enfermeiros possuem posição privilegiada de proximidade no cuidado com o paciente. Logo, são agentes imprescindíveis na prevenção e no combate contra abusos, discriminações e violações da ética profissional, seja ao fazer uso de medidas educativas ou por intervenções na práxis diária dos serviços de saúde.7,11
Políticas públicas como a Rede Cegonha6 e o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN)5 tentam conter a morbimortalidade materno-infantil e as altíssimas taxas de cesáreas e demais intervenções indevidas. Ainda assim, uma das dificuldades enfrentadas na implementação desses projetos no cotidiano do atendimento obstétrico é a deficiência de conhecimento acerca da VO por trabalhadores da saúde. O entendimento superficial da questão e a sobreposição de conceitos relacionados a outras formas de violência de gênero, como a violência doméstica e o abandono paterno, além da normalização do uso de práticas abusivas em momentos de urgência e emergência, como realização da episiotomia sem consentimento prévio, são exemplos de falhas que se apresentam na formação de enfermeiros no Brasil.10,12,17
Frequentemente mulheres não recebem quaisquer orientações acerca de seus direitos reprodutivos e sexuais no período gravídico-puerperal, assim como qualquer incentivo à preservação de sua autonomia durante a gestação.2,4,11,13,14
É importante destacar que déficits de conhecimento relacionados à tríade técnica-procedimento-embasamento produzem maiores riscos de complicações no pós-parto da mulher, em contraste com os efeitos benéficos de intervenções bem indicadas.15 No entanto, ainda pode se observar a existência de profissionais incapacitados para o atendimento obstétrico humanizado, o que contribui significativamente para a ocorrência de abusos de diferentes naturezas na assistência ao binômio mãe-bebê.11
Para superar esse cenário, é fundamental que o enfermeiro obstétrico compreenda a dimensão dos danos físicos e psicológicos que podem ser gerados pela violência obstétrica. Para isso, a formação do enfermeiro baseada na ética dos cuidados e em evidências científicas atualizadas é basal, pois diverge dramaticamente
da prática de violência obstétrica e condiz com a adoção de uma política de tolerância zero nos ambientes de assistência à saúde.2,9,16 Isso caracteriza esse profissional como protagonista na construção de uma relação de confiança entre equipe e paciente, bem como o torna indispensável na tomada de decisões clínicas durante o processo de parto a fim de aumentar a qualidade da assistência prestada. 2,7,11,15,16
O estímulo ao pensamento crítico e à comunicação durante a formação dos profissionais de enfermagem é basilar para a implementação de uma assistência humanizada, livre de discriminações e julgamentos. Esse enfoque alinha as práticas de cuidado obstétrico com o Programa de Humanização do Parto e Nascimento (PHPN) e as legislações pertinentes.7,10,11
O profissional de enfermagem instruído acerca do combate à VO tem potencial para intervir na redução das taxas de morbimortalidade materna. Isso requer habilidade de fornecer assistência adequada e o acesso às informações de qualidade. Isso contribui para minimizar a instrumentalização e patologização do parto, bem como para mitigar as ocorrências de violência obstétrica em todas as etapas do ciclo gravídico-puerperal, ao mesmo tempo em que fortalece a relação profissional paciente.3,14-16
Durante o período gestacional até o puerpério, é função do enfermeiro obstetra acolher integralmente a gestante e seu acompanhante de forma a avaliar as condições de saúde materno-fetal, considerando sua autonomia e protagonismo ao criar um ambiente que centralize as questões individuais de cada mulher.16
A assistência pré-natal é essencial para o acompanhamento da gestação baseado no desenvolvimento de ações clínicas, psicossociais e também educativas. O enfermeiro obstétrico desempenha funções cruciais nesse momento através da consulta privativa, onde se constroem estratégias em conjunto com a gestante a fim de atender suas demandas individuais. Trata-se também de um espaço acolhedor e educativo, onde o profissional de enfermagem é responsável por fornecer informações de qualidade e orientações necessárias acerca de questões que geram medo e insegurança nas gestantes, como o momento do parto. Além disso, é responsável também pela aproximação com a maternidade de referência. Esse conjunto de medidas provoca o aumento dos sentimentos de confiança, tranquilidade e segurança na pessoa gestante em relação ao parto e à equipe envolvida.3,4,13,15,18
Ademais, o plano de parto é uma das ferramentas existentes utilizadas pelo enfermeiro para promover o atendimento obstétrico humanizado. Elaborado
individualmente ao final da gestação, esse documento registra as preferências e decisões da mulher sobre as condutas obstétricas a serem seguidas sob condições normais. Constitui-se como um instrumento de comunicação e garantia de direitos que tem demonstrado bons resultados em pesquisas recentes.2,4,15,16,18 Para que a sua confecção seja bem-sucedida, o profissional deve estar qualificado e conhecer a finalidade do documento na assistência obstétrica e na garantia de direitos da gestante durante o processo de parto. Ademais, também é dever do enfermeiro prover as orientações adequadas sobre possíveis imprevistos que possam surgir, além de informar a obrigatoriedade de se comunicar quaisquer alterações necessárias no plano de parto.15,18
Para além das consultas pré-natais, o enfermeiro obstetra é essencial durante o trabalho de parto, intraparto e pós-parto, para garantir o atendimento humanizado e avaliar o cuidado prestado. Suas atribuições incluem também o suporte psicológico, de modo a respeitar as individualidades físicas e psíquicas da pessoa gestante, conforme os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).11,12,14 Deve ainda proporcionar um ambiente positivo para mãe e bebê, bem como auxiliar a adoção de posições favoráveis, preservar a integridade do períneo, facilitar o aleitamento logo após o nascimento, além de evitar o uso desnecessário de medicamentos e intervenções mal indicadas. Dessa forma, o enfermeiro obstetra atua ativamente no manejo do parto e na assistência à mulher, além de supervisionar o atendimento para resguardar a saúde e dignidade do binômio mãe-bebê.3,4,12,14,15
Outras práticas importantes para garantir uma experiência de parto positiva incluem explicar de maneira detalhada os procedimentos, escutar ativamente a mulher, reduzir o uso de procedimentos invasivos e medicações desnecessárias, assegurar conforto físico e emocional, envolver a família e acompanhante, realizar o corte tardio do cordão umbilical, promover o primeiro contato pele a pele, orientar sobre aleitamento e respeitar as escolhas da gestante, garantindo sua privacidade. O conjunto dessas ações contribui para tornar a mulher protagonista do processo de parto. Assim, com a adoção dessas práticas, o enfermeiro se torna agente transformador na vida das mulheres e contribui diretamente para combater a VO.3,12,14,16
O apoio da equipe de enfermagem não apenas contribui para a satisfação e bem-estar da gestante durante o parto, mas também fortalece a política de humanização do atendimento obstétrico ao promover o cuidado respeitoso, seguro e
centrado na mulher. A abordagem individualizada, baseada em evidências científicas, busca eliminar a mecanicidade e a impessoalidade que o modelo de atenção tradicional propõe.14 É essencial garantir a autonomia e liberdade de atuação do enfermeiro nos ambulatórios, enfermarias e centros cirúrgicos obstétricos, com o intuito de aperfeiçoar o exercício da assistência humanizada à mãe e ao bebê.11,19
Dzomeku et al.3 (2021) destaca mudanças positivas no atendimento às gestantes após a qualificação de enfermeiros obstétricos para o cuidado materno respeitoso. Relatos dos profissionais demonstram uma melhoria nos padrões de comunicação, incluindo o uso do nome da gestante no tratamento, a prática da escuta ativa e o estímulo ao comportamento empático, com a eliminação de palavras e expressões abusivas.3 Além disso, em Martínez-Galiano et al.10 (2023), profissionais mais jovens ou com qualificação no assunto conseguiram identificar com mais precisão situações de violência obstétrica, reforçando a importância da formação profissional.10
CONCLUSÃO
O presente estudo identifica e analisa publicações recentes que abordam a função desempenhada pelo enfermeiro no cenário da violência obstétrica, de maneira que a correlaciona com a práxis do atendimento obstétrico humanizado. Constata-se a prevalência do desconhecimento da sociedade acerca daquilo que caracteriza o termo VO, sobretudo em profissionais da saúde. Esses dados ilustram um importante déficit na formação de enfermeiros, que corrobora para a alta prevalência de práticas abusivas no atendimento às pessoas gestantes, sobretudo no cuidado envolvido no decorrer do processo de nascimento.
A imprevisibilidade do parto exige a participação de profissionais bem qualificados capazes de manejar as mais diversas situações que se apresentem, de forma que priorize o bem-estar e a autonomia da pessoa gestante e seu bebê a fim de proporcionar uma experiência pré-natal e de parto positiva, com dignidade e respeito à individualidade dos sujeitos envolvidos. Nesse cenário, o enfermeiro surge como principal ator na promoção do atendimento humanizado ao assegurar os direitos da gestante e intervir ativamente para efetivar ações que caracterizam essa política do cuidado.
As limitações deste estudo se apresentam na pouca literatura recente existente focada na atuação da enfermagem no atendimento à pessoa gestante. Os estudos encontrados trabalham com amostras reduzidas e podem não refletir o real cenário vigente no Brasil. São necessárias novas pesquisas com amplo espaço amostral para verificar a concordância com os resultados até então obtidos. Com a identificação precisa de lacunas do atendimento e formação, é possível traçar estratégias de resolução mais eficazes e contribuir para a efetivação da PHPN no Brasil.
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